Retorno de juiz não atenderia ao interesse público
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu nesta terça-feira (28) que o Tribunal de Justiça de São Paulo avaliará se o juiz Marcello Holland Neto tem condições de reassumir o cargo.
O plenário seguiu por unanimidade o voto da relatora, conselheira Daldice Santana, que confirmou a legalidade do procedimento do TJ-SP para verificar se o juiz afastado poderá ser reaproveitado.
Trata-se um mais um passo num dos casos mais controvertidos envolvendo os desdobramentos de penalidade aplicada por um tribunal.
Eis um resumo dos fatos anteriores:
– Holland Neto está em disponibilidade desde 1992, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, porque o Órgão Especial do TJ-SP entendeu que ficou comprovada sua coparticipação em fraude eleitoral, além do recebimento indevido de um “relógio valioso presenteado por um candidato beneficiado” e do auxílio-moradia pago por uma prefeitura.
– O juiz pleitou, 25 anos depois, o imediato aproveitamento nas funções de seu cargo –em caráter definitivo–, “retroagindo e reconhecendo todos os direitos a partir de maio de 2003, quando seu reaproveitamento foi inconstitucional e ilegalmente negado”.
– Três tentativas anteriores de reaproveitamento foram frustradas:
a) Em 1994, o TJ-SP indeferiu o pedido de aproveitamento, porque havia sido formulado prematuramente. Novo pedido formulado muito tempo depois –em 2003– foi indeferido.
“O retorno do requerente ao exercício da atividade jurisdicional não atende ao interesse público’, uma vez que ‘os fatos que deram lastro à imposição da pena revestem-se de intensa gravidade (…), a desaconselhar o reaproveitamento colimado. Revelam, na realidade, um quadro incompatível com a judicatura’“, decidiu o TJ-SP.
b) O juiz protocolou pedido ao CNJ, que não apreciou o caso, porque –segundo o então relator do Processo de Controle Administrativo– o órgão tem competência apenas para o controle de atos administrativos dos tribunais.
c) O juiz impetrou mandado de segurança no STF –tendo como órgão coator o CNJ– sustentando a “impossibilidade de manutenção de pena perpétua, situação decorrente, na prática, da negativa do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em acolher pedido de reaproveitamento do impetrante”.
Em dezembro de 2013, a ministra Rosa Weber indeferiu o pedido de liminar. Ela registrou que o juiz teve negado –dez anos antes– o pedido de reaproveitamento pela via administrativa no TJ-SP: “Tal pedido foi negado e não se tem notícia nos autos acerca de irresignação veiculada perante o próprio Tribunal de Justiça, que seria a instância competente para esse exame“, afirmou Rosa Weber em sua decisão.
Eis um resumo dos fatos recentes:
O TJ-SP deu início ao processo de avaliação para fins de reaproveitamento do magistrado para atender a decisão liminar do CNJ, proferida em 2014. A defesa do juiz alegou tratar-se de um novo concurso público, o que era inaceitável para um magistrado vitalício.
Para autorizar o juiz em disponibilidade a retomar suas funções, o TJ-SP estabeleceu uma avaliação em três etapas. De acordo com a portaria do TJ que foi questionada, o juiz condenado à pena que solicita reintegração será submetido a sindicância da vida pregressa, verificação da aptidão física, mental e psicológica, além de uma avaliação de sua capacidade técnica e jurídica.
Ao longo de duas horas e meia de debates, nesta terça-feira, os conselheiros ressaltaram a importância da atualização dos conhecimentos técnicos devido a mudanças na legislação, principalmente no Código Civil e no Código de Processo Civil.
Desde 1992, ano em que o juiz Holland Neto foi afastado, o Congresso Nacional aprovou 95 emendas à Constituição Federal – a última em outubro passado.
A conselheira Daldice Santana apontou a ilegalidade de duas exigências feitas na portaria editada pelo TJ-SP para regulamentar o reaproveitamento de magistrados afastados.
Por decisão do CNJ, a terceira etapa (avaliação ténico-jurídica) não poderá ser seletiva, ao contrário do que foi previsto originalmente no ato administrativo.
A decisão do CNJ também considerou ilegal a necessidade de se aguardar dois anos para realizar novo pedido de reintegração, caso o TJ-SP negue o retorno do magistrado afastado, mesmo após a conclusão de todas as fases da avaliação.
Eis algumas opiniões sobre os fatos:
“É, no mínimo, um resgate do exercício da dignidade de um homem.” (…) “Talvez seja a maior pena administrativa já cumprida neste país. Nem mesmo na ditadura tivemos fato semelhante”. [Juiz de direito Magid Nauef Láuar, presidente da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais – Anamages]
“Nada justifica impedir que o apenado possa dar continuidade às suas atividades laborativas, essenciais que são para a preservação da dignidade pessoal e, além, para a realização dos ideários da alma, tão ligados à obra que cada ser humano pode construir em seu período de atividade profissional”. [Emmanoel Campelo, ex-conselheiro do CNJ, que julgou monocraticamente o juiz]
“Nós temos juízes de excelência e ótimas escolas. E temos ótimas possibilidades, portanto, de fazer com que retorne com a segurança que o cidadão tem de ter”. “Aprender a aprender” — para nós juízes é uma ordem necessária a cada manhã”. [Ministra Cármen Lúcia, presidente do CNJ, em sessão realizada em fevereiro último]
“Confesso que fiquei impressionado com este caso, espero que seja um ponto fora da curva. É inadmissível imaginar que um magistrado possa ficar em disponibilidade por 25 anos, e ainda recebendo. Quem paga esta conta é o cidadão, que quer efetivamente celeridade”. [Cláudio Lamachia, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, em sessão realizada em fevereiro último].
Eis um resumo da ópera:
O caso do juiz Holland Neto, no mínimo, divide opiniões no TJ-SP. Seu reaproveitamento contraria o entendimento de desembargadores que acompanharam os fatos e a aplicação da penalidade em 1992.
Reproduzindo avaliações anteriores, a Anamages divulga a decisão do CNJ desta terça-feira como “uma vitória emblemática”, “uma grande conquista para a magistratura”.