CNJ pune juízas por negligência em golpe bilionário

Frederico Vasconcelos

Juízas foram acusadas de descuido em fraude contra Banco do Brasil

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O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) condenou nesta terça-feira (12) as desembargadoras Marneide Trindade Pereira Merabet e Vera Araújo de Souza, do Tribunal de Justiça do Pará, à pena de aposentadoria compulsória.

Elas foram acusadas de conduta negligente durante tentativa de golpe bilionário aplicado por uma quadrilha de estelionatários contra o Banco do Brasil.

O plenário aprovou por unanimidade o voto do atual relator do processo, conselheiro André Godinho.

Em dezembro de 2010, a então corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, suspendeu por liminar a decisão da juíza Vera Araújo de Souza por identificar indícios de violação do Código de Ética da Magistratura. Seguiu-se uma sindicância que resultou em um pedido de abertura de Processo Administrativo Disciplinar, em maio de 2014. Por unanimidade, o PAD foi aberto e as duas magistradas, afastadas de suas funções.

O então relator, ministro Francisco Falcão, entendeu que as magistradas violaram os princípios da independência, imparcialidade, integridade profissional e prudência.

O então conselheiro Gilberto Martins declarou-se impedido de votar por ter sido responsável pelas ações penais que o Ministério Público do Pará propôs na investigação, antes de tomar posse como conselheiro do CNJ.

O caso teve origem em outubro de 2010, quando um advogado acionou a Justiça para que o BB bloqueasse o suposto saldo de cerca de R$ 2,3 bilhões, depositados nas contas bancárias de um dos membros da quadrilha.

Como prova da posse da fortuna, o procurador do grupo de estelionatários apresentou cópias de extratos bancários falsos.

A então juíza da 5ª Vara Cível de Belém, Vera Araújo –mais tarde promovida a desembargadora– concedeu a liminar aos estelionatários e estipulou multa diária de R$ 2 mil para que o BB não movimentasse a soma bilionária.

O Banco do Brasil então alertou a magistrada sobre a fraude. Os advogados da instituição financeira informaram que o mesmo golpe fora tentado anteriormente contra o banco. No entanto, a juíza não se manifestaria formalmente a respeito até que, meses depois, os advogados dos golpistas desistissem da causa.

Em janeiro de 2011, a juíza homologou a desistência. De acordo com o voto do relator, houve “exacerbada negligência da magistrada”.

Enquanto a magistrada não respondia, o BB recorreu ao segundo grau de jurisdição. Pediu o efeito suspensivo da decisão da juíza Vera Araújo. Os advogados apresentaram, inclusive, a condenação do mesmo grupo de estelionatários, por conta do mesmo golpe, pela Justiça do Distrito Federal. Mesmo assim, o pedido foi negado pela desembargadora Marneide Trindade Pereira Merabet, que ignorou inclusive laudos da perícia que atestavam a falsidade do documento usado como prova.

Segundo o voto do relator, a desembargadora Marneide demostrou “falta de prudência e cautela”, “manifesta negligência” e “imparcialidade” na condução do procedimento judicial dotado de peculiaridades, conduzido por organização criminosa contra o sistema financeiro nacional.

Alegações da defesa

O relator rejeitou as três preliminares apresentadas pela defesa para tentar impedir a condenação das acusadas. Os advogados alegaram que o fato de o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ter decretado a prescrição da ação penal contra as magistradas deveria evitar a condenação de suas clientes no plano administrativo, instância dos julgamentos realizados pelo CNJ. “Como a natureza da acusação no STJ – corrupção – não era a mesma da que analisamos no CNJ – desvio funcional –, a decisão do STJ não vincula os dois processos”, afirmou Godinho.

A defesa tentou ainda invalidar as provas ao atribuir um dos números de telefone celular, encontrado na agenda de um dos estelionatários presos pelo golpe, a uma irmã da desembargadora Marneide, que morreu em 2013.

Segundo o voto do conselheiro Godinho, a quebra do sigilo telefônico da quadrilha apontou três ligações feitas ao telefone registrado de fato em nome da irmã da magistrada, mas também outras 20 ligações feitas ao marido da desembargadora à época da tentativa de estelionato. “Nota-se que a magistrada não logrou êxito em apresentar justificativas plausíveis para desvencilhar-se de forma categórica das provas que atestam de contato e proximidade da quadrilha de estelionatários com a desembargadora e com familiares”, afirmou o relator.

Segundo o corregedor-geral do Ministério Público Federal, Oswaldo José Silva, que representou o órgão na sessão plenária de terça-feira (12), a conduta das magistradas merecia punição. “Eu queria lamentar que, da tribuna, o advogado da desembargadora Marneide ache normal dizer que a culpa não é da Marneide, e sim da irmã. Para se safar de uma negligência, de uma falta de cautela, dizer que o telefone era da irmã e que possivelmente até a irmã possivelmente participaria das irregularidades. Isso para as relações familiares é muito triste”, afirmou Silva.

De acordo com a última preliminar, também negada, houve morosidade na condução do processo e algumas das provas relativas à ação “pereceram decorrente ao enorme tempo de apuração”.

Ao longo de três anos de apurações, o processo acumulou cerca de 90 mil páginas, segundo o conselheiro Godinho. Ele registrou que o PAD tramitou no tempo razoável dada a complexidade da matéria e da enorme quantidade e complexidade de documentos probatórios, a maioria deles requerida pelas próprias magistradas.