Escritórios de advocacia não são ‘bunkers’, diz Lamachia
O texto a seguir foi enviado pelo presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Claudio Lamachia, em contestação às declarações do presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil, Roberto Veloso, reproduzidas neste Blog no post intitulado “Projeto pode criar ‘paraíso’ para prática de crimes“.
O presidente da Ajufe vê no projeto uma retaliação à Operação Lava Jato, por ter identificado escritórios de advocacias e departamentos jurídicos que atuaram como canais de recebimento e pagamento de propina de empresas e políticos.
O presidente da OAB diz que “o projeto em tramitação estabelece penas para um crime que já existe, para aquilo que a lei já diz que é errado. Do jeito como está, sem as penalidades definidas, o que vale é a impunidade para quem está acostumado a desrespeitar a legislação, que considera crime o desrespeito às prerrogativas da advocacia –assim como é considerado crime o desacato a juízes e a integrantes do Ministério Público”.
“Seria benéfico à sociedade se o representante da magistratura se levantasse contra as ilegalidades e não contra um projeto que visa a assegurar o cumprimento da lei, no sentido de moralizar o país”, diz Lamachia.
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“É lamentável que o representante de um segmento tão fundamental para a cidadania, como é a magistratura, use a imprensa para defender a impunidade dos que violam a lei. O combate ao crime e à impunidade deve ocorrer em todos os segmentos, pois a lei vale para todos. Ou vamos defender que alguns agentes públicos podem descumprir a lei, sem qualquer punição, enquanto o cidadão deve ser punido de forma exemplar?
Não existe, na pauta institucional da OAB no Congresso, nenhum projeto de lei que dê “imunidade” a advogados ou que pretenda destruir operações de combate à corrupção. O projeto em questão não tem o condão de dar salvo conduto para advogadas e advogados cometerem crimes. Todo e qualquer profissional da advocacia deve responder por seus atos, como qualquer cidadão. Mas não pode responder pelos atos dos outros.
O projeto em tramitação estabelece penas para um crime que já existe, para aquilo que a lei já diz que é errado. Do jeito como está, sem as penalidades definidas, o que vale é a impunidade para quem está acostumado a desrespeitar a legislação, que considera crime o desrespeito às prerrogativas da advocacia –assim como é considerado crime o desacato a juízes e a integrantes do Ministério Público.
Não posso crer que quem tem como função aplicar a lei e zelar por seu respeito possa pretender defender a impunidade ao se colocar contrário a um projeto que visa exatamente combater ilegalidades praticadas por agentes públicos.
A Lei 8906/94, em seu artigo 7º, é clara ao delimitar os direitos dos advogados:
“II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia;
(…)
§ 6º Presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, a autoridade judiciária competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade de que trata o inciso II do caput deste artigo, em decisão motivada, expedindo mandado de busca e apreensão, específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes.
§ 7º A ressalva constante do § 6º deste artigo não se estende a clientes do advogado averiguado que estejam sendo formalmente investigados como seus partícipes ou coautores pela prática do mesmo crime que deu causa à quebra da inviolabilidade.”
Portanto, na verdade, se houver indícios da prática de crime por parte do advogado a Lei já admite a quebra da inviolabilidade, o que permite ao juiz determinar busca e apreensão. Logo, os escritórios de advocacia não são ‘bunkers’ nem mesmo há qualquer tipo de impedimento ao curso normal de investigações.
Em nosso país são comuns, infelizmente, as tentativas de intimidação dos cidadãos por meio de ataques aos advogados que os representam. Vemos isso, por exemplo, quando uma autoridade coloca obstáculos na atividade da advogada ou do advogado. O resultado é o atraso do processo, aumento da morosidade da Justiça e dos gastos públicos, além do prejuízo ao cidadão.
São comuns também as agressões físicas aos advogados para impedir seu trabalho. Foi o que ocorreu, no ano passado, em Santa Catarina, quando o colega Roberto Caldart foi morto por policiais enquanto trabalhava. O mau exemplo dado por algumas autoridades de alto escalão tem incentivado esse tipo de situação.
Da mesma forma, são frequentes os grampos ilegais nas conversas entre advogados e clientes, protegidas pelo sigilo determinado pela Constituição. Outra violação recorrente é a negativa para o acesso a processos judicias ou administrativos, o que é proibido e também atrasa o andamento do processo, prejudicando o sistema judicial como um todo.
As garantias da advocacia não protegem apenas o trabalho dos advogados. Elas servem para garantir que os direitos de todas as cidadãs e de todos os cidadãos sejam observados. Servem para que autoridades não possam abusar de seu poder e praticar injustiças e ilegalidades.
A OAB tem sido implacável na defesa das prerrogativas para que as advogadas e advogados do país possam continuar trabalhando em favor do cidadão e atuando contra injustiças. Do mesmo modo, a OAB tem apontado para ilegalidades como a violação do sigilo das comunicações entre jornalistas e suas fontes, que também são protegidas para assegurar à sociedade o direito à informação. A OAB também tem defendido a necessidade de acabar imediatamente com o pagamento de supersalários e de auxílios e privilégios ilegais a alguns grupos de funcionários públicos que se apossaram da lei, sem ter mandato para isso.
Seria benéfico à sociedade se o representante da magistratura se levantasse contra as ilegalidades e não contra um projeto que visa a assegurar o cumprimento da lei, no sentido de moralizar o país.
CLAUDIO LAMACHIA, presidente nacional da OAB