Cármen Lúcia vê atalhos espúrios na defesa de Maluf

Frederico Vasconcelos

“A ética constitucional impõe que a parte não transforme instrumentos legítimos de defesa em atalhos espúrios a tolher o Estado de atuar e fugir do acatamento à lei e às decisões judiciais. Recorrer é legítimo, abusar deste direito pode configurar fraude processual.”

A afirmação é da ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal. Consta da decisão em que indeferiu liminar requerida pelo deputado federal Paulo Maluf (PP-SP) na ação cautelar ajuizada pelo advogado Antonio Carlos de Almeida Castro (Kakay).

Em nota divulgada nesta quinta-feira (21), Kakay diz que “a defesa vai até onde pode ir, sempre com ética e usando o legítimo direito de esgotar todos os recursos em nome do cliente e da liberdade”.

Eis trechos da decisão de Cármen Lúcia:

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No mérito da ação penal, quer-se dizer, quanto à procedência da ação penal, a decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal foi unânime, o que torna incabível o recurso de embargos infringentes.

Incabível o recurso utilizado, em casos como o que aqui se apresenta, dota-se ele de caráter manifestamente protelatório.

Essa circunstância transforma o uso legítimo de instrumento processual, como é o recurso, em abuso, constituindo o seu aproveitamento em desvio de finalidade processual.

A doutrina aponta, em casos tais, desrespeito aos princípio da boa fé e da lealdade processual, sendo o emprego indevido, constante e procrastinatório de recurso manifestamente incabível fórmula que visa impedir a execução da pena imposta.

No processo penal, esse abuso converte-se em frustração da atuação do Estado juiz, levando à impunidade do condenado pelo advento da prescrição e ao afastamento da execução da pena.

De se anotar que a ética do processo no Estado Democrático de Direito impõe à parte o respeito às decisões judiciais, para que se assegure a atuação do juiz e a execução de seus julgados, garantindo-se também à parte o direito à ampla defesa com todos os recursos inerentes à defesa, como constitucionalmente previsto (inc. LV do art. 5o. da Constituição da República).

Mas a ética constitucional impõe que a parte não transforme instrumentos legítimos de defesa em atalhos espúrios a tolher o Estado de atuar e fugir do acatamento à lei e às decisões judiciais. Recorrer é legítimo, abusar deste direito pode configurar fraude processual.

(…)

No caso em análise, não há como deixar de anotar que a denúncia descreveu como crime antecedente ao de lavagem de dinheiro a prática de corrupção passiva em obras públicas realizadas no Município de São Paulo na década de 90, em especial a construção da Avenida Água Espraiada.

Foi também imputado ao autor da presente ação cautelar ocultação e dissimulação da origem, natureza e propriedade de recursos ilícitos e a movimentação e transferência desses valores para ocultar e dissimular sua utilização entre 1997 e 2006, por meio de contas correntes localizadas na Ilha de Jersey.

A denúncia foi apresentada, na 2a Vara Federal Criminal da Seção Judiciária de São Paulo, pelo Ministério Público Federal em 19.12.2006, exatos 11 anos e 3 dias atrás, contra o autor da presente ação e outras nove pessoas pelas práticas de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha (fls. 02/96 dos autos).

Este Supremo Tribunal Federal recebeu parcialmente a denúncia em 29.09.2011, após idas e vindas dos autos em razão do provimento de cargo de deputado federal pelo autor em algumas legislaturas.

O recebimento parcial deu-se pela passagem do tempo, que levou à prescrição de quatro das imputações criminosas imputadas.

E condenado em 23.05.2017, persiste o autor da presente ação a opor recursos buscando esquivar-se do cumprimento da pena na forma imposta por este Supremo Tribunal!

Essa descrição cronológica e a constatação das condições garantidas à defesa no curso desta mais de uma década de tramitação do processo afastam a configuração, na espécie, do alegado pelo autor quanto a haver “fumus boni iuris” que, em sua compreensão, ocorreria e permitiria deferimento da liminar requerida.

Bom direito não arrasta processos por décadas sem conseguir provar sequer sua existência! Mesmo num sistema processual emaranhado e dificultoso como o vigente no Brasil…