Compliance exige a aplicação das leis

Frederico Vasconcelos

Para a procuradora regional da República Carla Veríssimo, que atua junto ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a avaliação do ano de 2017 quanto à adoção do compliance pelas empresas brasileiras requer considerar a atuação das autoridades públicas responsáveis pela aplicação das leis anticorrupção e antilavagem de dinheiro.

Diversos acordos de leniência firmados pelo Ministério Público Federal na Lava Jato e em outras operações exigem a implantação de programas de integridade “para que fatos criminosos como aqueles objeto da leniência não voltem a se repetir”.

“Toda a lei, para que possa ser respeitada e cumprida por seus destinatários, precisa ser aplicada, quando for descumprida por alguns deles”, diz a especialista

Integrante da força-tarefa da Lava Jato, ela diz que “todas as empresas que não tinham programas de integridade já iniciaram sua implantação; aquelas que possuíam códigos de ética e outras medidas de prevenção, dedicaram-se a reforçar seus programas, em atenção às normas nacionais e internacionais”, diz a especialista.

Em 2018, o Ministério Público continuará a dedicar atenção ao compliance anticorrupção e antilavagem de dinheiro, uma ferramenta para a prevenção da criminalidade empresarial.

Segundo ela, a atuação deve ser repressiva, quanto aos crimes já cometidos, mas também preventiva, para que haja uma redução nos níveis de corrupção e de lavagem de dinheiro no país.

“O setor privado deve se envolver na promoção de um ambiente de negócios ético e sadio”, diz a procuradora.

Carla Veríssimo é mestre em Ciências Criminais pela PUCRS, especialista em Crime Organizado, Corrupção e Terrorismo pela Universidade de Salamanca, na Espanha, doutora em Direito pela UFRGS e doutora do programa “Estado de Derecho y Gobernanza Global” da Universidade de Salamanca, em cotutela.

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Uma avaliação do ano de 2017 quanto à adoção do compliance pelas empresas brasileiras precisa necessariamente passar pela consideração da atuação das autoridades públicas responsáveis pela aplicação das leis anticorrupção e antilavagem de dinheiro.

Toda a lei, para que possa ser respeitada e cumprida por seus destinatários, precisa ser aplicada, quando for descumprida por alguns deles. Especialmente no caso da lei anticorrupção, que não traz os incentivos adequados para estimular as empresas brasileiras à adoção de programas ou medidas simplificadas de compliance, o enforcement é fundamental.

E aqui vemos mais uma das virtudes dos acordos de leniência: a capacidade de induzir as empresas que colaboram a “virar a página”, como se tem dito, de forma que a corrupção não seja mais seu meio de negócio.

Assim, diversos acordos firmados pelo Ministério Público Federal no âmbito da Lava Jato e de outras operações trazem entre suas cláusulas aquela relativa ao compliance: as empresas devem implantar ou aperfeiçoar programas de integridade, para que fatos criminosos como aqueles objeto da leniência não voltem a se repetir.
Sendo uma das cláusulas do negócio jurídico, seu descumprimento implica o descumprimento do próprio acordo e pode impedir que a empresa goze dos benefícios nele previstos.

Durante o ano de 2017, o Ministério Público Federal acompanhou a implantação dos programas de compliance das empresas que fizeram acordos de leniência com a Força Tarefa da Lava Jato em Curitiba.

Todas as empresas que não tinham programas de integridade já iniciaram sua implantação; aquelas que possuíam códigos de ética e outras medidas de prevenção, dedicaram-se a reforçar seus programas, em atenção às normas nacionais e internacionais.

Em dois casos, o acompanhamento é mais profundo, já que as empresas concordaram em submeter-se a uma monitoria independente, o que acontece em paralelo com o trabalho desenvolvido nos Estados Unidos (acordos firmados aqui e lá, monitores que respondem ao Ministério Público Federal, no Brasil, e aos procuradores do Departamento de Justiça, nos Estados Unidos da América). As medidas concretas que as empresas têm adotado traduzem alterações de governança corporativa.

Quanto à prevenção da lavagem de dinheiro, é de se destacar o acordo firmado pelo Ministério Público de São Paulo com grandes bancos estrangeiros.

O promotor Sílvio Marques e seus colegas firmaram Termo de Ajustamento de Conduta com as instituições financeiras que transferiram ativos do ex-prefeito de São Paulo obtidos por meio da prática de crimes, em clara violação aos deveres de compliance.

Pelo acordo (segundo o que foi noticiado) o Banco Safra pagou 10 milhões de dólares americanos por danos coletivos morais e materiais decorrentes de transferências ao exterior de ativos financeiros fruto de corrupção passiva atribuída a Paulo Maluf. Esse acordo se soma a outros firmados com o Deutsche Bank (US$ 20 milhões), o Citibank (US$10 milhões) e o UBS (US$ 10 milhões). Ações como essa passam uma mensagem muito forte ao mercado; mais ainda, quando se trata do sistema financeiro.

Em 2018, o Ministério Público continuará a dedicar atenção ao compliance anticorrupção e antilavagem de dinheiro, porque ele é uma ferramenta para a prevenção da criminalidade empresarial.

A atuação das instituições deve ser repressiva, quanto aos crimes já cometidos, mas também preventiva, para que possamos ter uma redução nos níveis de corrupção e de lavagem de dinheiro atualmente verificados no Brasil.

Como já disse o criminólogo espanhol García-Pablos de Molina, o crime é um problema de todos, não apenas das instituições do Estado. É por isso, também, que o setor privado deve se envolver na promoção de um ambiente de negócios ético e sadio.