Pela volta da garantia dos direitos individuais
Ao se despedir de 2017, o advogado Eduardo Carnelós apontou a restrição imposta ao uso do habeas corpus como exemplo do retrocesso das garantias institucionais.
Trata-se de um movimento que, segundo ele, há alguns anos, “em nome do combate à corrupção, tem destruído o sistema de proteção às garantias e aos direitos individuais no Brasil”.
Carnelós vê na restrição “escandalosa negativa de prestação jurisdicional” pelo Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, contra a determinação expressa da Constituição.
O criminalista faz votos de que, em 2018, o STF e o STJ voltem a assegurar a todos, indistintamente, as garantias constitucionais e o ordenamento jurídico.
Eduardo Pizarro Carnelós é advogado criminalista. Foi presidente da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) e do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça.
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Não constitui novidade o fato de que houve enorme e intenso retrocesso no âmbito das garantias constitucionais, especialmente aquelas relacionadas ao Direito Penal e ao Processo Penal, e não se trata de marca do ano de 2017. Infelizmente, vem de há alguns anos esse movimento que, em nome do combate à corrupção, tem destruído o sistema de proteção às garantias e aos direitos individuais no Brasil.
Há muitos aspectos que poderiam, e mereceriam ser analisados neste momento, mas tratarei aqui da restrição imposta ao uso do habeas corpus. Em 2012, a 1ª Turma do STF, sob a relatoria do ministro Marco Aurélio e sem aviso prévio, decidiu não ser cabível a impetração do habeas corpus dito substitutivo de recurso ordinário, que passou a ser o único admitido (HC 109.956/PR).
Certamente por equívoco, falou-se em “evolução quanto à admissibilidade do substitutivo do habeas corpus”, quando, na verdade, tratou-se de clara involução, venia concessa.
É que, se de fato o inciso II, do artigo 102 da Carta confere ao Supremo a competência para julgar, em recurso ordinário, o habeas corpus (alínea “a”) decidido em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão, o mesmo artigo 102, em seu inciso I, dispõe competir àquela Corte julgar, originariamente, “i) o habeas corpus, quando o coator for Tribunal Superior ou (…)”.
E o artigo 5º, em seu inciso LXVIII, assegura: “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.
Com todo o respeito, fica evidente que o novo entendimento adotado pela 1ª Turma do STF (e que já vinha sendo aplicado pelas 5ª e 6ª Turmas do STJ) não se sustenta diante da clareza do texto constitucional.
Aliás, o próprio ministro Marco Aurélio já reconheceu equívoco naquela decisão, mas, infelizmente, o entendimento não apenas se cristalizou, como ainda foi alargado por outros ministros da mesma 1ª Turma, que passaram a indeferir o processamento de ordens de habeas corpus ditas substitutivas de recurso extraordinário (???!!!!).
Trata-se, reiterem-se as vênias, de escandalosa negativa de prestação jurisdicional, contra a expressa determinação da Carta Política.
Fosse isso pouco, tanto perante o STJ quanto o STF, os pedidos de remédio heroico – e também os recursos ordinários interpostos nos autos deles – passaram a ser decididos monocraticamente, invariavelmente para indeferir seus processamentos, mas na prática denegando-os no mérito.
Retira-se, pois, do advogado impetrante a possibilidade de sustentar oralmente o pedido perante a Turma, em afrontoso desrespeito aos comandos constitucionais e às normas processuais relativas ao habeas corpus.
Não se ignora o assoberbamento a que estão submetidos os tribunais, mas, certamente, não se pode aceitar a solução do problema por meio da supressão de tão relevante instrumento protetor da liberdade, como é o habeas corpus, nem do afastamento das normas que, expressamente, determinam o julgamento colegiado, assegurada a sustentação oral do pedido (cf. arts. 612, 661, 663 e 664 do CPP, 30 e 31 da Lei 8.038/90, e parágrafo único do art. 192 do RISTF).
As duas últimas ditaduras que infelicitaram a vida do Brasil restringiram o uso do habeas corpus, o que era consentâneo à natureza daqueles regimes; nem então, contudo, aboliu-se o remédio heroico, como hoje fazem, não o Poder Executivo, mas as Cortes Superior e Suprema, justamente as que têm por sagrada missão a proteção aos direitos dos indivíduos.
Que 2018 nos traga bons ventos, e estes tragam de volta o Tribunal da Cidadania e o Supremo Tribunal Federal, para que as garantias constitucionais e o ordenamento jurídico voltem a ser assegurados a todos, indistintamente.