Eleições como antídoto contra a corrupção
O procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima recorre a um conto [em que uma criança revela que “o rei está nu”] para situar o ano de 2017 como o momento em que o sistema político brasileiro foi –assim como o rei– despido da falsa roupagem, desvelando-se “um corpo decaído”, “envenenado pela corrupção”.
“Todos nós intimamente sabíamos, mas, como tolos, fingíamos não ver”, diz Santos Lima.
Adotando a mesma alegoria da criatura decadente, o procurador afirma que, em 2018, “é preciso extirpar o veneno da corrupção”. Ele vê as eleições como “o antídoto adequado, pois o Judiciário é incapaz de reabilitar esse doente”.
“O foro privilegiado e a extensão desse vício impedem que a Justiça seja o caminho para sua cura. É preciso usar o voto bem informado e consciente como remédio”, recomenda.
Carlos Fernando dos Santos Lima é procurador regional da República. Atua na força-tarefa da Lava Jato em Curitiba (PR).
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O rei está nu.
Um antigo conto narra como um rei foi iludido sobre magníficas roupas confeccionadas de um tecido mágico que, conforme lhe foi dito pelo falsário, somente pessoas inteligentes conseguiriam ver.
Mesmo não enxergando absolutamente nada, o rei, para não se passar por tolo, aceitou vesti-las e, orgulhosamente, desfilar perante seus súditos, os quais, para também não se revelarem estúpidos, elogiaram o corte e as cores das vestimentas.
Entretanto, uma criança conhecida por sua sinceridade e inteligência, ao ver o rei, começa logo a gritar: “Mamãe! O rei está nu! O rei está nu!” Caindo em si, todos começam a rir e comentar, levando o rei a perceber o embuste e, envergonhado, a fugir para seu palácio.
Tal qual a criança, o ano de 2017 revelou a todos nós que o rei está nu. Esse nosso rei, o sistema político que nos governa, agora despido de sua falsa roupagem, desvelou um corpo decaído e repugnante, envenenado pela corrupção, o que todos nós intimamente sabíamos, mas que, como tolos, fingíamos não ver.
Agora desnudo, sem ter mais como ocultar sua doença, sem ter onde se refugiar, o sistema político nos olha desafiadoramente, tentando nos fazer desviar os olhos de suas chagas, como se estas fossem nossas.
Quer nos fazer crer que nós, brasileiros comuns, somos como ele, viciados em dinheiro ilícito, intoxicados pela corrupção. Mentira! Tolos talvez, mas não enfermos de alma.
Neste novo ano de 2018 precisamos não desviar nossos olhos dessa decadente criatura.
Devemos nos perguntar quando foi que aquela jovem democracia, a “Nova República” de Ulysses Guimarães, Teotônio Vilela e Tancredo Neves, envenenou-se com a corrupção.
Temos que reprisar nossa história para percebermos o momento em que os grandes políticos que nos guiaram pela noite escura foram substituídos por Renans, Jucás e Geddéis.
É imperioso perguntar a nós mesmos como permitimos que isso acontecesse.
Talvez saibamos a resposta. Será que deixamos, preguiçosos, os políticos livres para fazerem o que quisessem, esquecendo que a democracia é um processo diário de participação de cada um de nós?
Reduzir a democracia apenas ao exercício do voto talvez tenha sido nossa ruína. Achar que política é coisa apenas para políticos tenha nos levado à acomodação.
Se não somos como esse rei monstruoso, somos responsáveis por aquilo que o sistema político se tornou, mesmo que apenas por omissão.
Não basta, entretanto, apenas mantermos desafiadoramente nossos olhos nos olhos dessa criatura. Nem mesmo é suficiente compreendermos o fenômeno de alienação a que nos submetemos.
Em 2018 é necessário agir. Primeiro, e antes de tudo, é preciso dizer-lhe, gritar se necessário, que a política não é exclusividade dos políticos. Ela é nossa, de cada cidadão, e eles são apenas temporários representantes de nossas vontades.
Além disso, é preciso extirpar o veneno da corrupção. Para isso as eleições de 2018 são o antídoto adequado, pois o Judiciário é incapaz de reabilitar esse doente.
O foro privilegiado e a extensão desse vício impedem que a Justiça seja o caminho para sua cura. É preciso usar o voto bem informado e consciente como remédio.
Com certeza teremos que submeter nosso sistema político a repetidas doses de democracia. Talvez até mesmo vejamos espasmos e crises decorrentes das tentativas de sobrevivência dessa doença, mas não podemos em nenhum momento nos afastar desse tratamento, por mais doloroso que seja.
Quem sabe assim possamos salvar esse rei. Quem sabe assim tenhamos a oportunidade de ver nosso sistema político saudável, obediente à lei e à Constituição. Quem sabe assim tenhamos porque nos orgulhar das vestes simples, mas dignas, e do corpo são de nossa democracia.