Lula repete Dirceu

Frederico Vasconcelos

O fiasco do refrão “mexeu com ele, mexeu comigo”

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Em junho de 2005, cerca de 2.000 militantes do PT participaram de ato político na Casa de Portugal, em São Paulo, em solidariedade a José Dirceu, ministro demissionário da Casa Civil no governo Lula.

O evento –intitulado “Em defesa do PT e da Democracia“– inaugurou a estratégia do partido de convocar a militância para realizar manifestações populares com o objetivo de contestar e confrontar a Justiça.

“Dirceu é meu amigo, mexeu com ele, mexeu comigo!“, gritavam os manifestantes.

A decisão unânime do TRF-4, que ampliou a pena de prisão aplicada pelo juiz Sergio Moro ao ex-presidente Lula, deverá enfraquecer as tentativas de inibir a magistratura no grito.

O precedente de Dirceu já havia mostrado que a ameaça de ocupação de Brasília pela militância, no julgamento do mensalão, não impediu os ministros do Supremo Tribunal Federal de mandá-lo para a prisão.

No último dia 18, cerca de 900 militantes do PT participaram de ato político em solidariedade a Lula na mesma Casa de Portugal, em São Paulo.

O evento, que reuniu artistas e apoiadores do ex-presidente, foi intitulado “Pela Democracia e pelo Direito de Lula ser Candidato”.

Os dois episódios –o ato em defesa de Dirceu, em 2005, e o ato em defesa de Lula, em 2018– refletem as transformações por que passou a sociedade com o avanço das investigações sobre a corrupção na administração pública.

O PT procurou buscar nas redes sociais e movimentos populares –e junto a entidades e organismos internacionais– a absolvição (política) que seus dirigentes não obtiveram nos tribunais.

Há semelhanças nos dois atos.

Em 2005, José Dirceu alegou inocência e anunciou a disposição de fazer caravanas nos Estados. “Este governo não rouba, não deixa roubar e combate o roubo”. “Nós vamos democraticamente percorrer o país todo”, afirmou.

Em 2018, Lula repetiu o modelo. “Estou com a tranquilidade dos justos, dos inocentes. Eu sei que não cometi crime”. “Vou viajar pelo país”. “Estou disposto a enfrentá-los”.

Um dia depois de sua queda, Dirceu recebeu manifestações de apoio de ministros, governadores, prefeitos e dirigentes do PT que seriam atingidos, nos anos seguintes, pela ação penal do mensalão e pelos julgamentos da Lava Jato.

José Dirceu abraçou Antonio Palocci, sob os aplausos de Delúbio Soares e Silvio Pereira, entre outros presentes ao ato que viriam a ser alvo de operações policiais.

“Nós estamos precisando desta energia”, afirmou o então presidente nacional do PT, José Genoino. A vibração da base foi insuficiente para evitar que Genoino e vários companheiros fossem denunciados, condenados e presos.

Justiça, justiça, justiça!“, bradaram os militantes quando foi anunciada a chegada à Casa de Portugal do então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos [que morreu em 2014].

O brado era, de certa forma, contraditório.

A cúpula e as lideranças petistas foram investigadas pela Polícia Federal, corporação que ganhou maior protagonismo na gestão de Thomaz Bastos, sob controle do Ministério Público Federal e do Supremo Tribunal Federal, órgãos que tiveram procuradores-gerais e ministros escolhidos por Lula e, posteriormente, por Dilma Rousseff.

Se o fato de “mexer” com José Dirceu gerou reação que favoreceria alguém, o beneficiado foi o próprio Lula.

A suposição de que “a República cairia” se a denúncia do mensalão alcançasse Lula –como admitiu reservadamente um ministro do STF– adiou, por alguns anos, a confirmação de que todos são iguais perante a lei, inclusive aquele que dizia não saber o que ocorria na sala ao lado no Palácio do Planalto.

Os discursos atuais guardam alguma sintonia com o que foi dito na Casa de Portugal há quase treze anos.

A deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) definiu o ato pró-Dirceu como “resposta ao jogo rasteiro da oposição golpista”.

“Querem fazer o país acreditar, inclusive em editorial de jornal, que o governo do presidente Lula acabou e que foi o maior estelionato da história do país”, afirmou Dirceu.

“Passaram a vender para a sociedade que o Brasil tinha uma doença grave chamada PT, Dilma e que era preciso tirar essa doença do Brasil”, afirmou Lula no último dia 18.

Dirceu e Lula percorreram caminhos semelhantes.

O ex-ministro foi condenado pelo juiz Sergio Moro a vinte anos e dez meses de prisão. “Recorreu ao TRF-4 na tentativa de anular a condenação e se deu mal. Sua pena foi aumentada para trinta anos e nove meses”, lembra a revista “Veja“.

O tribunal regional também ampliou a pena aplicada a Lula, de 9,5 anos de prisão para 12 anos e 1 mês de prisão. A defesa de Lula anuncia que irá recorrer.

Durante o encontro na Casa de Portugal, relata a Folha, a cantora e compositora Ana Cañas cantou o verso final de o “Bêbado e o Equilibrista” segurando Lula pela mão: “Sabe que o show de todo artista tem que continuar”.

Como diz o cientista político Fernando Schüler, “mobilizar gente, ‘construir’ a narrativa, atiçar a militância, é o ofício de Lula”.

“É o que ele e o partido que criou sabem fazer melhor do que ninguém, no Brasil”, diz o professor do Insper.

É cedo para prever as reações da população, num ano eleitoral de cenários embaralhados e com os pretendentes a candidatos que estão aí. Mas a decisão de Porto Alegre, sem dúvida, é um duro golpe para a imagem e liderança do ex-presidente.