Juiz lamenta morte de paciente não atendido

Frederico Vasconcelos

Despacho questiona o papel do Judiciário no resguardo dos direitos fundamentais: “Este é o país do futuro? Está cada vez mais distante”.

 

Acometido de câncer, em busca de tratamento médico-hospitalar, o paciente ingressou, por intermédio do Ministério Público estadual, com ação civil pública no Foro de Itanhaem (SP), sendo parte requerida a Fazenda do Estado de São Paulo.

“Buscava, simples assim, tratamento oncológico, uma vez que, sozinho, já aguardava há sete meses vaga para tanto”, relata, em despacho, o juiz Paulo Alexandre Rodrigues Coutinho, da 1ª Vara da Comarca de Itanhaem.

O receituário indicava “lesão de evolução rápida e dolorosa”. Diariamente, “o paciente procurava a Unidade de Pronto Atendimento para realizar medicação para dor.”

“Não era desconforto, era DOR”, grifa o magistrado.

A ação foi distribuída no dia 30 de dezembro de 2017, durante o recesso forense.

Deferiu-se a tutela de urgência, com a comunicação ao Departamento Regional de Saúde (DRS) da Baixada Santista para cumprimento da decisão.

No dia 6 de janeiro, “após a virada do ano, onde os sonhos são renovados”, prossegue o magistrado, a Defensoria Pública comunicou que a decisão foi negligenciada.

A multa aplicada foi reforçada. Após o recesso forense, a Fazenda Estadual foi citada.

Não obstante duas decisões assegurando ao paciente o direito de se tratar, “na esteira do ‘conto’ da Constituição”, como define o juiz, o Ministério Público noticiou em 16 de janeiro que a Fazenda “se manteve inerte”.

A pedido do juiz, um escrevente ligou para o DRS, procurando sensibilizar o “sistema”.

“Argumentou que se tratava de uma (frágil) vida”.

No dia 17 de janeiro, o servidor registrou que uma funcionária confirmou a solicitação de vaga ainda no dia 5, pela Unidade de Pronto Atendimento, “mas que ainda não há leito disponível para a remoção do paciente”.

“Como desgraça pouca é bobagem”, prossegue o juiz, no mesmo dia determinou novamente a intimação da Fazenda, sob pena de sequestro de verbas públicas para o custeio particular do tratamento.

Não atendido o pedido, no dia 24 o Ministério Público pediu “sequestro da singela importância de R$ 4.500,00”.

Determinou-se o sequestro da importância no dia seguinte. Uma chefe de seção, a pedido do juiz, “buscou amolecer o coração do ‘sistema'”.

“Argumentou que não se tratava de gado, mas de um semelhante; o sistema, todavia, frio e distante, sem muito se importar, frustrou a tentativa”, relata o juiz

No dia 22 de janeiro, uma funcionária da central de vagas informou que foi realizada uma avaliação médica e que “o quadro do paciente estava estável e que o paciente iria ficar no tratamento ambulatorial, sem necessidade de internação”.

No dia 24 de janeiro, “foi recebida pela central de vagas uma nova avaliação médica onde consta que o quadro de saúde dele piorou e estão dando prioridade para o caso. Nada Mais”.

No dia 25 de janeiro, a chefe da seção da Vara foi informada pela chefe do setor no DRS que “até a presente data não foi concedida a vaga para o paciente”, e “não tem previsão para a mesma”.

No dia 30 de janeiro, o juiz Paulo Alexandre Rodrigues Coutinho registrou:

 “Este Magistrado tem, em uma das mãos, o extrato do BACENJUD, onde se noticiou o bloqueio de R$ 4.500,00; na outra, ofício comunicado o falecimento [do paciente], como não diferente poderia ser”.

“O fato em si nos traz várias indagações. Qual o papel do Judiciário no resguardo dos direitos fundamentais? O que mais se poderia fazer, ao tentar substituir a incúria das políticas públicas? Estamos fazendo o certo, ou tudo pode, e deve, ser efetivamente revisto? Quem foi o responsável pela morte? O óbito adveio de culpa, ou dolo eventual?”

“As indagações, e isso é o mais triste, não terminam aqui. Renovam-se a cada dia, a cada caso, algumas até mesmo de forma mais aguda, com mais dor, mais sofrimento. É neste Estado em que queremos viver? Este é o país do futuro? Se é, só sei que está ele cada vez mais distante”.

“Diante do noticiado, vista ao Ministério Público, titular da ação.”

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(*) Processo Digital nº: 1000014-18.2017.8.26.0633