Juiz aponta omissão no decreto da intervenção

Frederico Vasconcelos

O texto a seguir é uma manifestação de Alfredo Attié Jr, presidente da Academia Paulista de Direito e desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.

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O regime autoritário e ditatorial instaurado pelo golpe civil-militar de 1964 deixa, até o presente, sérios resquícios culturais, a par de intocadas estruturas normativas.

Um dos exemplos é a insistência da imprensa – replicada à exaustão pela população nas redes sociais – de procurar a opinião de membros das Forças Armadas a respeito de assuntos da política.

É o que ocorre, novamente, com a questão da decisão do presidente Temer de intervenção na política e na administração da segurança no Estado do Rio de Janeiro.

As Forças Armadas, diz o artigo 142 da Constituição Federal – que completa em outubro 30 anos – , “são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

São mero instrumento dos poderes constitucionais e não possuem nem devem possuir iniciativa própria, muito menos vontade política.

O que se tem ouvido, lamentavelmente, de entrevistas de membros das Forças Armadas, tem sido opiniões não apenas pouco técnicas, mas sobretudo transbordantes da função que lhes cabe.

A lei, estritamente, deve pautar a ação instrumental desses órgãos instrumentais do Estado brasileiro.

E, nesse aspecto, o Decreto Presidencial de intervenção, ainda não apreciado pelo Congresso, peca por omissão, ao não revelar com clareza ao controle popular do Congresso, quais as razões da intervenção, não bastando a fórmula genérica da “ordem pública”; ao não explicitar a extensão e o modo de atuação da intervenção.

Grave é o fato de se colocar o povo brasileiro, mais uma vez, como mero espectador da política e da antipolítica – que se conserva como norte de nossos governantes.

Política é democracia, na forma explicitada pela tradição cultural em que nos inserimos, e referendada pela Constituição da República e pelos Tratados Internacionais em vigor no Brasil.

A comunidade jurídica, aqui representada pela Academia Paulista de Direito, exige o respeito não apenas à Lei, mas sobretudo a recuperação da legitimidade em nosso País, pelo cumprimento dos direitos e garantias constitucionais, e dos princípios da cidadania e da dignidade humana. Sem isso, a soberania se torna mero exercício de um poder transbordante da política e do direito, sem controle pelos poderes constitucionais e pelo povo.

A Academia Paulista de Direito instalou um Comitê da Cidadania para acompanhamento e controle dos atos derivados da decisão de intervenção pela sociedade civil.