Estado indenizará preso por condições aviltantes

Frederico Vasconcelos

A Fazenda Pública do Estado de São Paulo deverá indenizar em R$ 10 mil –por danos morais– um sentenciado que cumpre pena na Penitenciária de Presidente Bernardes (SP), devido às “condições aviltantes” daquela unidade prisional.

Em decisão unânime, a 7ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo faz duras críticas ao tratamento desumano naquele presídio –com lotação 70% superior à capacidade máxima– e ao “desprezo do Estado pelo preso”.

A Penitenciária de Presidente Bernardes tem capacidade para 1.247 detentos, mas sua população, de acordo com o sítio eletrônico do Governo do Estado de São Paulo, é de 2.110 detentos.

O relator, desembargador Luiz Sergio Fernandes de Souza, registra em seu voto que a indenização “estará em condições de consolar a vítima, a quem restará a certeza de que o Estado teve de pagar pela sua negligência”.

Participaram da votação os desembargadores Coimbra Schmidt (presidente) e Moacir Peres.

Trata-se de apelação em ação ordinária proposta pelo sentenciado Marcos Aurélio Aparecido Alves, que busca reparação dos prejuízos de ordem moral pelo tratamento desumano naquela penitenciária. (*)

A ação foi julgada improcedente pelo juiz de primeiro grau. O magistrado entendeu que “o autor não teria demonstrado qualquer dano efetivo que justificasse indenização”, e o condenou ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios.

A Câmara, contudo, entendeu que “o desprezo do Estado pelo preso, que grande parte da sociedade enxerga como vindita justificada, é inconcebível, pois não se coaduna com a pena imposta ao infrator, limite legal de constrangimento a que pode ser submetido. E é no excesso que se caracteriza o dano indenizável sofrido pelo requerente”.

Segundo a decisão, “o tratamento a que a população carcerária vem sendo submetida, há décadas, investe contra normas que buscam assegurar o respeito à dignidade da pessoa humana, com proibição da tortura e do tratamento degradante, a par de garantir o acesso à Justiça e o exercício do direito à saúde, educação, trabalho e segurança”.

A Câmara lembra a defesa apresentada pelo advogado Sobral Pinto, que representou Luiz Carlos Prestes, mesmo contra a vontade do dirigente comunista,  quando Prestes foi preso no regime ditatorial de Getúlio Vargas.

Sobral Pinto argumentou “com as normas de proteção aos animais passando a descrever as condições precárias em que o preso se encontrava, incompatíveis até mesmo com o tratamento reservado aos seres irracionais”.

“Visita-se o zoológico e, por isto, às pessoas é dado saber se os animais, ferozes que sejam, estão recebendo tratamento adequado; mas não se visita o presídio, esfera do social reservada, na visão comum, à escória, àqueles que, por serem marginais, não merecem atenção. Daí a falta de espaço nas celas, o colchão ralo sobre a laje fria, o chuveiro gelado e o sanitário sem porta, como relata o autor”.

Em seu voto, o relator cita declaração do ex-ministro da Justiça José Eduardo Martins Cardozo. “Ao tempo em que pessoas da alta cúpula do governo corriam o risco de parar atrás das grades, [Cardozo] chegou a afirmar que preferia morrer a ter de passar anos trancafiado em qualquer presídio do País”.

Faz referência a obra de outro ex-ministro da Justiça, o ministro do STF Alexandre de Moraes, ao afirmar que “não se pode negar, mesmo ao sentenciado, a garantia de uma vida digna”.

Menciona comparação feita pela professora Fátima Regina Fernandes, do Departamento de História da Universidade Federal do Paraná, ao dizer que a diferença básica entre o cárcere medieval e o presídio brasileiro está na concentração excessiva de detentos.

“O Estado, contudo, não parece muito empenhado em apresentar soluções efetivas para o problema, que se agrava ano após ano, dando lugar a rebeliões nas quais afloram, à falta de adequada inserção do homem encarcerado no contexto social, os instintos mais perversos, a face mais escura e sombria do ser humano”.

O acórdão registra decisão do Supremo Tribunal Federal que, em 2017, reconheceu o direito à reparação de danos morais em favor de preso submetido a condições precárias e desumanas (RE 580252/MS, Rel. Ministro Teori Zavascki).

“Vivemos tempos em que alguns presos políticos tornaram-se políticos presos. Outros tantos, sem nenhuma convicção ideológica, desceram do céu ao inferno, ocorrendo a determinadas pessoas lembrar que gente de certa cepa, idosa ou porque tem filho para cuidar, deveria ficar recolhida em casa, aguardando julgamento”.

“Isto desperta a consciência de que as prisões brasileiras guardam centenas de gestantes, mães separadas dos filhos de menor idade ou deficientes, assim como anciões cujo estado de saúde inspira cuidado. Enfim, a lei é para todos, o que levou a Corte Constitucional, recentemente, a conceder habeas corpus coletivo a todas as mulheres naquelas condições”, afirma a decisão.

—————————————-

(*) Apelação nº 1000934-63.2017.8.26.0480