Indígenas acusados de matar policiais irão a júri popular
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP-MS) confirmou sentença de primeiro grau que determinou o julgamento por júri popular de três indígenas acusados de duplo homicídio qualificado e uma tentativa de homicídio contra três policiais, em 2006.(*)
Em decisão unânime, a 11ª Turma manteve sentença de pronúncia –quando o juiz proclama a autoria do delito e encaminha o réu ao Tribunal do Júri– proferida pela 1ª Vara Federal de Dourados (MS).
O relator do recurso é o juiz federal Fausto De Sanctis.
A denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal narra que, em 1º de abril de 2006, os índios Márcio da Silva Lins, Sandra Arevalo Savala e Valmir Júnior Savala atacaram, mediante emboscada, os policiais Rodrigo Pereira Lorenzato, Ronilson Magalhães Bartiê e Emerson José Gadani na rodovia MS 156, distrito de Porto Cambira (MS).
Segundo a peça acusatória, o crime foi cometido com recursos que dificultaram a defesa das vítimas, resultando na morte de Lorenzato e Bartiê e tentativa de homicídio de Gadani.
No recurso, os réus alegam legítima defesa do território, que o interrogatório policial se deu sem a presença de um intérprete e que os réus são relativamente incapazes de entender o caráter ilícito da conduta.
O relator De Sanctis registrou que há nos autos “indícios mínimos a apontar a ocorrência dos eventos criminosos mediante o incentivo e a colaboração dos acusados, presos em flagrante, corroborada pelo interrogatório policial dos acusados, depoimento da vítima e de testemunhas”, informa a assessoria de imprensa do TRF-3.
Para o magistrado, os elementos de prova não amparam de modo nítido e irretorquível que a conduta dos acusados teria ocorrido na legítima defesa do território indígena.
“Em que pese eventual direito de posse, isso não retira dos brasileiros o dever de respeito à lei, inclusive por comunidades indígenas parcialmente ou integralmente adaptadas (como se revelou neste caso), num contexto já extremamente tenso e delicado.”
“Se não houve, por parte dos indígenas, ou eventualmente dos que agiram no interesse deles, o socorro ao Judiciário para concretização da posse que consideram justa, a análise da adequação das condutas deve ser verificada pelo Tribunal do Júri, que decidirá acerca dos limites da legítima defesa invocada, bem como sobre seu eventual excesso, e também sobre as demais excludentes penais”.
Sobre a ausência de intérprete, o relator observou que o interrogatório não desrespeitou a diversidade linguística, pois os réus descreveram os fatos de forma detalhada, o que demonstra a compreensão que detinham, com ratificação na presença de procurador da Funai.
De Sanctis também discordou do laudo antropológico que afirma que os réus eram, ao tempo da ação, relativamente incapazes de entender o caráter ilícito das condutas.
Segundo ele, os exames de sanidade mental revelam que os réus se comunicam bem em português, mostram-se conhecedores das normas e regras sociais e eram capazes de compreender o caráter ilícito dos fatos e de determinarem-se de acordo com esse entendimento.
“A despeito de sua cultura própria, para os indígenas ora acusados, a vida humana possui relevante valor moral e ético. Tinham o dever de preservá-la. Portanto, se faz presente a potencial consciência da ilicitude, na medida em que os acusados possuiriam conhecimento da imoralidade, antissocialidade e lesividade de sua conduta”, concluiu o relator.