Execução de Marielle e fragilização da democracia
O artigo a seguir, sob o título “Tempos sombrios“, escrito ainda sob o impacto da notícia da execução da vereadora Marielle Franco, é de autoria de Alfredo Attié, presidente da Academia Paulista de Direito e desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Attié entende que a defesa dos direitos humanos deve ser a postura de todos os magistrados e que as investigações precisam ser federalizadas para que tenham credibilidade.
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A vereadora Marielle Franco havia sido nomeada relatora da Comissão que acompanhava a intervenção federal no Rio de Janeiro e, no limite de suas atribuições, denunciou, em 10 de março, a violência praticada por integrantes do 41º Batalhão da PM em Acari. Quatro dias depois dessa denúncia, é executada a tiros.
A morte de qualquer ser humano é por si só trágica, mas referir o significado da morte de Marielle é inevitável: mulher da periferia, negra, socióloga formada com dificuldades, por ser de origem humilde, vinda da favela da Maré, mãe solteira, bissexual e defensora dos direitos humanos, por meio do coletivo que criou.
Tinha tudo para não dar certo nos moldes de nossa sociedade. Mas deu. E o recado de sua morte para o povo parece ser o de que seus representantes, quando conseguem vencer e aproximar-se do poder, passam a incomodar estruturas arraigadas, sendo condenados a violência e morte brutal.
Trata-se, pois, da morte de uma autoridade pública, presumivelmente sob encomenda, como um desafio a todo e qualquer poder estabelecido, mas principalmente à prometida panacéia da intervenção federal no estado do Rio de Janeiro.
Intervenção na qual se atua mirando traficantes e o povo das favelas, e nada se faz, também presumivelmente, em relação a milícias e grupos paramilitares incrustados ou não no Estado.
Incomodava a jovem vereadora quem estava incomodado com sua atuação em defesa dos direitos humanos. Se se tratar de crime cometido por grupo paramilitar, estamos diante de uma questão grave de Estado –aliás como apontam imprensa e autoridades do Brasil, da Europa e dos Estados Unidos.
O crime aponta e acentua a crise que se instalou no país, com a fragilização da democracia, que decorre de corrupção e da inversão da ordem estabelecida pela Constituição, quando o pretexto para se tirar uma governante do poder é imediatamente descartado quando se trata de manter outro governante.
Uma inversão a que instituições tradicionalmente defensoras das liberdades públicas parecem tapar os ouvidos, dando margem ao aumento da violência, da truculência e das arbitrariedades.
Não se pode permitir seja a interpretação leviana do caso, seja o encobrimento de sua investigação rigorosa.
É preciso que a sociedade aja, reconhecendo-se em Marielle, mobilize-se em defesa da democracia, antes que seja tarde.
Tempos sombrios vivemos e é preciso enfrentar com o direito e a justiça as tentativas de os tornar ainda mais perigosos.
A segurança da sociedade está no respeito aos direitos humanos.