Raquel e Michel: vale a pena ler de novo

Frederico Vasconcelos

O pedido de prisão de amigos do presidente Michel Temer motivou uma releitura geral sobre o perfil da procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Ela assumiu o cargo em meio a avaliações precipitadas de que a primeira mulher no comando do Ministério Público Federal havia sido escolhida por Temer para brecar a Operação Lava Jato.

Na contramão dessa aposta, o Blog publicou o seguinte texto em 29 de junho de 2017, sob o título “Disputa Janot-Temer ofusca Raquel Dodge”.

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A polêmica envolvendo os destinos da Lava Jato e o desgaste político do presidente Michel Temer ofuscaram dois aspectos relevantes na escolha de Raquel Dodge para suceder ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

O primeiro é a reconhecida competência da subprocuradora-geral, que, ao longo da carreira, propôs várias ações penais contra políticos, empresários e servidores públicos corruptos.

O segundo é o fato histórico de que, a partir de setembro, três instituições influentes estarão sob o comando de mulheres: Cármen Lúcia, no Supremo Tribunal Federal; Laurita Vaz, no Superior Tribunal de Justiça, e Raquel Dodge, na Procuradoria-Geral da República.

Segunda mais votada na lista tríplice, Raquel era uma opção prevista. Temer aparenta prestigiar a escolha da categoria, mas quebra a tradição, pois a eleição foi liderada por Nicolao Dino, ligado a Janot.

O embate político, contudo, não desmerece a experiência e a atuação da futura procuradora-geral, cuja confirmação ainda depende de sabatina e aprovação no Senado.

Ao lado do então PGR Roberto Gurgel, foi Raquel quem requereu a primeira prisão preventiva de um governador no exercício do cargo, ao coordenar a força-tarefa da Operação Caixa de Pandora. O STJ recebeu a denúncia por corrupção de testemunha e falsidade ideológica contra o então governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda.

Nas últimas semanas, o nome de Raquel foi vinculado nos bastidores a caciques do PMDB, entre eles Renan Calheiros (AL) e José Sarney (AP).

Pode ter sido uma forma de espicaçar Janot e desgastar a subprocuradora-geral, que não pertence a seu grupo, insinuando o nome de Raquel como alternativa de Temer para reduzir o ritmo da Lava Jato.

Ela sempre negou as ligações com os dois senadores. Em recente declaração à Folha, afirmou assegurar “compromisso de integral e plena continuidade do trabalho contra a corrupção da Lava Jato, Greenfield, Zelotes e todos os demais processos em curso, sem recuar, nem titubear”.

Na campanha de 2015, quando Janot obteve o segundo mandato, a primeira visita da candidata Raquel foi a Curitiba, para assegurar à força-tarefa da Lava Jato que a operação continuaria com seu apoio se fosse a escolhida.

Em abril deste ano, surgiu a versão de que a Lava Jato seria alvo de um “ataque interno”, atribuído à subprocuradora-geral.

Janot alegou que a operação seria impactada por uma proposta apresentada por Raquel, em outubro de 2016, ao Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF). A ideia é restringir a 10% a cessão de procuradores a outras unidades do Ministério Público Federal.

A proposição não é nova. Foi gestada na procuradoria da República do Distrito Federal e na Procuradoria da República da 1a. Região (que abrange 2/3 do território nacional). Essas unidades foram desfalcadas com convocações de procuradores.

Oito dos dez integrantes do CSMPF votaram a favor da proposta. Janot pediu vista.

Essa mudança alcança principalmente os membros da equipe de Janot, que admitiu isso: “Se temos um conjunto de colegas trabalhando em vários setores no gabinete do procurador-geral e se esses setores são mexidos, é óbvio que as atividades [da Lava Jato] serão atingidas”.

Membros da força-tarefa de Curitiba acreditam que essa questão pode afetar mais o grupo de trabalho da Lava Jato em Brasília.

Em 2011, ao tratar da violação de direitos humanos durante a ditadura militar, Raquel considerou que os agentes públicos que se excederam e cometeram crimes agiram como representantes de todo o Estado ditatorial e não apenas de seu segmento militar, por isso eventuais crimes cometidos submetem-se a jurisdição federal, havendo atribuição do MPF.

Procuradores da República de perfil independente elogiam a trajetória e o trabalho de Raquel. Não acreditam que ela vá atrapalhar a Lava Jato. Consideram a subprocuradora-geral uma pessoa dinâmica, objetiva e capaz, sem qualquer vínculo político.

Alguns temem um certo espírito centralizador.

Sobre isso, eis o que disse a então candidata de 2015: “Tenho muito apreço e afinidade com o trabalho em equipe, com distribuição de tarefas e valorização de habilidades específicas de cada um dos membros. Uma boa equipe aprimora a qualidade do trabalho e abrevia o tempo necessário para alcançar resultados”.

Em 2010, durante entrevista, Raquel mencionou uma observação do criminalista Nelson Hungria: em caso de corrupção, são pegos os intermediários, executores, não os beneficiários.

É uma boa lembrança para os dias atuais –e uma referência para avaliação ao final do mandato da primeira procuradora-geral da República.