O PT sem Lula

Frederico Vasconcelos

No artigo a seguir, o sociólogo e cientista político Rudá Ricci avalia as opções do Partido dos Trabalhores sem a presença de seu líder, Luiz Inácio Lula da Silva.

Para ele, o PT vive uma dupla encruzilhada. A primeira, decidir se insiste ou não na candidatura de Lula; a segunda, retornar à lógica dos anos iniciais do partido ou acomodar-se à ordem institucional vigente, sem identidade ou capacidade de definir rumos para o país.

Rudá Ricci é diretor do Instituto Cultiva, de Belo Horizonte.

Ele elaborou o programa de política agrária na campanha de Lula, em 1989, e coordenou a campanha do ex-deputado petista Plínio de Arruda Sampaio ao governo de São Paulo, em 1990.

Ricci deixou o PT em 1993.

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Lula está preso. Não se sabe se estará livre em pouco tempo, mas há uma tendência de parte da militância petista em crer que sua prisão possui uma motivação política para excluí-lo do processo eleitoral deste ano. Se esta suposição for correta, Lula estará encarcerado ao menos ao longo deste ano.

O PT, então, vive uma dupla encruzilhada.

A primeira, que o obriga a decidir se insiste ou não na candidatura de Lula. Lula sempre trabalhou com muitas variáveis e planos alternativos sobre uma mesma questão.

Sempre trabalhou com várias até que uma delas se consolidasse. No seu último discurso, realizado no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC no sábado mais tenso deste ano, teve o cuidado de chamar para ficar ao seu lado os pré-candidatos do PSOL e PCdoB.

Uma sinalização de aliança entre as esquerdas que, para alguns, foi um indício dos planos alternativos para a eleição deste ano.

Já foram citados outros dois possíveis candidatos petistas: Jaques Wagner e Fernando Haddad. Há informações que o predileto de Lula seria Wagner, dentre as possibilidades petistas.

Esta nebulosa de alternativas é parte constitutiva do jeito lulista de armar cenários políticos. Contudo, sem Lula, a direção petista parece fraquejar e não tem a mesma capacidade estratégica ou habilidade de Lula.

Ao contrário, é a mais frágil direção da história do PT. Uma direção marcada pela lógica parlamentar, acostumada a blefar e fazer bravatas para, em seguida, fazer acordos.

A dinâmica estabelecida pelo “protocolo parlamentar”, em que todos dependem de muitos para poder emplacar alguma proposição ou destaque no interior da casa parlamentar, não vive exatamente de estratégias, mas de jogos de salão.

A atual direção petista é assim: frágil, discursiva, sem capacidade de criar um fato político relevante. Na prática, se posta frequentemente na defensiva, reagindo a ataques.

No caso das eleições de outubro, insiste em manter a candidatura de Lula. Como se fosse um ato de resistência. Ocorre que este ato parece inócuo ou uma tática de fortalecimento do nome de Lula para, na reta final, despejar seu carisma para outro candidato aliado.

Algo arriscado como o que ocorreu no sábado, quando não conseguiu dirigir a multidão de militantes que não deixava Lula se entregar à Polícia Federal. Por pouco, presenciaríamos um confronto de dimensões imprevisíveis.

Os discursos de dirigentes petistas no carro de som, solicitando que liberassem Lula foram recebidos com rejeição nítida da militância.

Um dos dirigentes chegou a sugerir votação, ao que foi contestado com gritos de que não se tratava de uma assembleia.

Enfim, a capacidade de direção foi amplamente questionada e ficou estampada nas redes sociais. Conduzir uma política de transferência de votos de seu líder maior ou garantir um espírito de desobediência civil exige forte liderança. Este parece o dilema do momento.

A segunda encruzilhada é a mais grave e complexa, sobre qual o seu perfil a partir de agora.

O PT fraquejou ou titubeou por diversas vezes no último período.

Neste último episódio da entrega de Lula, oscilou entre adotar a linha de desobediência civil ou fazer apenas uma marola midiática para elevar o ânimo dos seus apoiadores.

De alguma maneira, sintetizou a tensão interna: retornar à lógica dos anos iniciais do partido, à beira do confronto com a institucionalidade vigente, ou ser mais um partido acomodado na ordem institucional.

Em termos programáticos, alterar a institucionalidade pública ou remediar com programas compensatórios e amplas coalizões governamentais.

Esta dúvida tem um lastro. O PT se tornou uma ilustração viva do que a literatura especializada denomina de “partido-cartel”.

A tese sugere que partidos contemporâneos são dependentes de verbas estatais para profissionalizar seus quadros (através de cargos comissionados), para alimentar suas bases (com obras e serviços públicos), para financiar campanhas, para se manter no noticiário.

A relação com a base social (ou movimentos sociais) seria substituído pelas tramas e acordos de cúpula, no interior da “Corte”. Este, talvez, seja o dilema interno da direção petista e, inclusive, a dificuldade da direção forrada de parlamentares para liderar militantes sociais de base.

O PT, assim, parece ter que prestar contas com seu passado e seu presente.

Caso continue caminhando pela corda bamba, estará ameaçado a viver do passado, como ocorre nos dias atuais com o Partido Trabalhista Inglês ou Partido Socialista Francês.

Manter-se neste limbo estratégico e de identidade pode leva-lo, inclusive, a se conformar como uma espécie de “PMDB de esquerda” amorfo, composto por lideranças regionais ou tópicas que não forjam uma unidade nítida, com força eleitoral, mas sem identidade ou capacidade de definir rumos para o país.

O PT, enfim, não parece se preparar para existir sem a figura carismática e a capacidade política invulgar de Lula.