Para juiz, prisão em segunda instância ainda é jogo empatado

Frederico Vasconcelos

O artigo a seguir é de autoria de Alfredo Attié, presidente da Academia Paulista de Direito e desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.

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As figuras de linguagem em torno da prisão automática em segunda instância e a presunção de inocência se esgotaram, sobretudo no Supremo.

A retórica de ministros e ministras se perde em repetições intermináveis, dentro e fora do tribunal. Há uma pressão social inafastável por uma manifestação conclusiva.

Pode ou não pode?

Segue-se a letra da Constituição e dos Tratados internacionais e se responde “não”? Ou se prefere uma interpretação contrária aos textos?

Deixar do jeito que está é dar margem a indecisões, conflitos, opiniões, bagunça do “cada um segue o que quer”.

A decisão do habeas corpus não foi convincente. Sequer foi decisão, já que não definitiva.

O que faltou nesse jogo retórico?

A expressão da opinião de uma julgadora, que permaneceu coerente na indecisão: ser contra, mas votar a favor, em homenagem à colegialidade rigorosamente inexistente.

5 a 5.

Falta apenas um voto, para que todos e todas saiam convencidos da vitória ou da derrota e virem a página.

Um pênalti decisivo. Basta ir ao encontro da bola e bater. Sequer há goleiro ou goleira. Há apenas a terrível presença da torcida, que grita, mas não logra influir no resultado.

Mas dela faz parte a tal opinião pública, e seus mandarins. Sua cobrança é pesada. A boa ou a má fama, eis o prêmio da batida.

Gol aberto. Torcida ruidosa. É preciso decidir bater, correr e chutar. Encaixar a bola no centro da meta constitucional ou lança-la ao largo, no indefinido da interpretação que pune.

A julgadora precisa apresentar seu voto, sua opinião, sua decisão. E justificar sem as figuras que pertencem aos outros batedores. Cinco bolas na meta e cinco bolas fora da meta.

É argumentação simples para uma causa complexa, tida como definidora de passado e futuro da política. Mas o que conta no jogo é seguir a regra, clara ou obscura.

Prender ou não prender?

A solução, a meu ver, está naquilo que não foi dito pelos julgadores anteriores: não se trata apenas de presunção de inocência.

Trata-se essencialmente de redesenhar, afirmando ou negando, o próprio direito penal.

O que está em jogo é o princípio da legalidade ou da reserva legal em matéria penal: não há crime e não há pena sem lei anterior que os definam.

A hipótese de prisão e de execução da pena, antes do trânsito em julgado de decisão condenatória, não está prevista em lei alguma.

Deixar prender, determinar a prisão provisória, no caso, é decidir criando uma pena não prevista na lei.

A decisão judicial pode criar uma pena não prevista em lei? A pena provisória, seja qual for? Não.

Não existe pena criada pelo judiciário. Só a lei pode criar pena, para ser aplicada a crimes futuros.

Portanto, é isso que está sendo decidido.

Vamos lá, Tribunal! Está na hora de desempatar a disputa. Todos e todas torcemos por um simples 6 a 5.

A lei, ora, a lei. Sim à lei. O Brasil, nos termos da lei é a grande mudança. Governado pelas leis e não pelos que a interpretam.