Supremo deve enfrentar a velha polêmica sobre novos tribunais regionais federais

Na próxima quarta-feira (6), o Supremo Tribunal Federal deverá retomar um tema que há cinco anos motiva fortes divergências na magistratura: a criação de quatro novos Tribunais Regionais Federais, em Curitiba, Belo Horizonte, Salvador e Manaus.

Os quatro novos tribunais foram criados pela Emenda Constitucional nº 73, de junho de 2013, cuja constitucionalidade foi questionada pela Associação Nacional dos Procuradores Federais (Anpaf). O plenário do STF deverá decidir sobre a validade dessa emenda.

Uma liminar concedida em julho de 2013, em pleno recesso, pelo então presidente do STF, ministro aposentado Joaquim Barbosa, suspendeu a criação dos novos TRFs.

“É muito provável que a União esteja às voltas com carências e demandas tão ou mais relevantes do que a criação de quatro novos tribunais. A despeito de suas obrigações constitucionais e legais, a União não terá recursos indispensáveis para cumprir seu papel para com os administrados”, sustentou Barbosa, na liminar.

Para a associação, a emenda viola o princípio da separação dos Poderes e deveria ter sido proposta pelo Judiciário. A entidade afirma que houve “vício formal de iniciativa”, pois a emenda “tramitou de forma sorrateira, sem a iniciativa e mesmo sem qualquer participação ou contribuição do Supremo Tribunal Federal ou de outro Tribunal Superior”.

A Advocacia-Geral da União também se manifestou pela inconstitucionalidade da proposta.

Juízes federais, advogados e procuradores têm interesse na causa. A Ordem dos Advogados do Brasil e a Associação Nacional dos Procuradores da República apoiam a criação dos novos tribunais.

A Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), por sua vez, questiona a legitimidade da Anpaf para propor a ação direta de inconstitucionalidade.

O relator da ação é o ministro Luiz Fux.

Dois fatos servem para rememorar as discordâncias e demonstrar a importância do que será decidido pelo STF.

A primeira audiência conjunta do ministro Joaquim Barbosa com dirigentes de associações da magistratura, em abril de 2013, encontro realizado em clima tenso.

O ministro afirmou que as associações teriam “induzido” deputados e senadores a erro, fazendo o Congresso acreditar que a PEC seria benéfica para a população. “Pelo que eu vejo, vocês participaram de maneira sorrateira da aprovação. São responsáveis, na surdina, pela aprovação”, disse Barbosa.

O então presidente da Ajufe, Nino Toldo, sustentou que os argumentos de vício de iniciativa e impacto financeiro “além de inapropriados, são duvidosos e inconsistentes”, e nem “sequer deveriam ser discutidos, já que a PEC observou todas as formalidades previstas na Constituição e nos Regimentos Internos das Casas”.

A inspeção realizada pela Corregedoria Nacional de Justiça em 2015, no TRF-1, que tem jurisdição sobre 13 estados e o Distrito Federal.

Nessa fiscalização, determinada pela então corregedora nacional, ministra Nancy Andrighi, foram encontradas 18 mil petições para serem juntadas e descobriu-se que uma garagem era usada como depósito de recursos não analisados pelo tribunal.

A carga de trabalho e o volume de processos que chegam ao TRF-1 têm sustentado as propostas dos que defendem a criação de novos tribunais.

A seguir, alguns argumentos apresentados, nos últimos anos, contra e a favor da medida.

Em 2013, Joaquim Barbosa e os presidentes dos cinco TRFs manifestaram preocupação com os elevados gastos para os cofres públicos.

O então presidente do TRF-1, Mário Cesar Ribeiro, resumindo a posição dos cinco presidentes à época, afirmou: “Nós identificamos que há soluções mais viáveis para o Estado, sem criar todo um aparato, toda uma estrutura gigantesca, e com um gasto muito menor para os cofres públicos”.

Na ocasião, a professora Maria Tereza Sadek, da USP, entendeu que a decisão de criar os novos tribunais foi tomada sem a realização de estudos objetivos, o que representou um “grande equívoco”.

“Era necessário um diagnóstico preciso e aprofundado. A Justiça Federal não é a mais lenta nem a que tem mais processos acumulados no Judiciário do país”, Sadek afirmou em entrevista à Folha.

Um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) calculou, na época, que a criação dos quatro novos tribunais custaria R$ 922 milhões por ano. Os estudos do Ipea foram contestados por entidades de magistrados.

Joaquim Barbosa também temia o enfraquecimento da independência da Justiça Federal: “A fragmentação da Justiça Federal é deletéria para uma Justiça que se entende nacional. Por conjectura, a redução da competência territorial tende a tornar o órgão jurisdicional mais propenso às investidas de interesses paroquiais”, afirmou, na ocasião.

O juiz federal Francisco Alves dos Santos Jr., do Recife, criticou o anteprojeto de lei aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, que dispõe sobre a estrutura dos novos TRFs. Segundo ele, o anteprojeto fere regras da constituição, pois a lista de magistrados para promoção por antiguidade tem que ser nacional e não regional.

Na mesma época, o então presidente do STJ, ministro Francisco Falcão, defendeu a manutenção das cinco regiões, com ampliação do número de membros nos tribunais. “É mais viável aumentar a composição do que criar novos tribunais”, disse.

A Lava Jato e os novos TRFs

Em julho de 2016, os resultados obtidos pela Operação Lava Jato serviram para reforçar os argumentos de juízes federais favoráveis à criação de novos TRFs.

“Neste momento em que assistimos à derrubada de esquemas de corrupção enraizados há anos, a criação dos novos Tribunais Regionais Federais assume uma nova dimensão: ela poderá acelerar a imposição de sanções a políticos, empresários, servidores públicos e detentores de mandatos eletivos responsáveis por desvios de recursos públicos”, afirmaram os juízes federais Roberto Veloso, Patricia Daher Lopes Panasolo e Ricardo Rabelo, em artigo sob o título “A Justiça Federal de segunda instância e o combate à impunidade“.

Veloso é presidente da Ajufe. Patrícia Panasolo e Ricardo Rabelo são, respectivamente, presidentes das associações dos juízes federais no Paraná e em Minas Gerais, estados que receberiam novos tribunais regionais.

Ainda segundo o mesmo artigo, os autores afirmam que “se a EC 73 não estivesse suspensa, já teríamos um Tribunal Regional Federal no Paraná, incumbido de julgar os casos provenientes da Operação Lava Jato”.

“Felizmente, o TRF-4, com sede em Porto Alegre (RS), trabalha com extrema celeridade. Porém, a tendência é de que a operação cresça cada vez mais e um tribunal próximo aos fatos facilitará a sua análise”, acrescentaram.

Em artigo no site Consultor Jurídico, publicado no último dia 3, Vladimir Passos de Freitas, ex-presidente do TRF-4, trata do desempenho daquela corte, com sede em Porto Alegre, que julga os recursos da Lava Jato:

“Todos elogiam o TRF-4 por sua eficiência administrativa. Mas isto não ocorreu por acaso. Desde o início de sua criação investiu-se na área. Por exemplo, em 2004 possibilitou-se a 50 servidores do Rio Grande do Sul e 50 do Paraná e Santa Catarina, um pioneiro curso de especialização em administração da Justiça, com 360 horas-aula. O resultado é que, aos poucos e imperceptivelmente, as atividades administrativas foram se aperfeiçoando”.

Freitas atribui o gargalo da Justiça Federal, entre outros motivos, ao fato de que os TRFs, criados pela Constituição Federal de 1988, “continuam sendo apenas cinco, com um pequeno acréscimo no número de seus integrantes”.

“A Justiça Federal de primeira instância, ao contrário, multiplicou-se em centenas de varas espalhadas pelo território nacional. O resultado foi um enorme acúmulo de processos no segundo grau”, diz.

Segundo Freitas, se os novos TRFs vierem a concretizar-se, “não podem repetir sistemas e práticas tradicionais”. “É preciso evitar que as novas estruturas sejam a mera repetição das anteriores, multiplicando-se a ineficiência.”

No artigo, ele propõe os “10 mandamentos de um tribunal inovador”, que preveem, entre outras medidas, “turmas menores, especializadas”; “abandono do sistema tradicional de varas e secretarias” e “prédios inteligentes, edifícios menores, com design apropriado, menor número de servidores, em razão da robotização, teletrabalho devidamente monitorado e expansão dos serviços de voluntariado”.

“A informatização tudo mudou. A necessidade é de servidores com boa formação, auxiliando o juiz no gabinete. Uma secretaria única, além de agilizar os serviços, evita a prática de cada vara ter um sistema próprio, fazendo com que em uma se exija algo e na do andar de cima se dispense. Este sistema foi implantado em 2002 nos Juizados Especiais Federais de São Paulo, com sucesso”, diz Freitas.

O ex-presidente do TRF-4 sempre defendeu a criação dos novos tribunais regionais federais.

Em julho de 2013, Freitas publicou artigo no Consultor Jurídico, questionando se Barbosa poderia decidir o conflito, uma vez que já havia exteriorizado sua posição pessoal contra os TRFs.

“Penso que, em termos gerais, uma manifestação prévia a uma decisão, desde que explícita e não em tese (v.g., manifestada em livro), gera a suspeição do magistrado”, afirmou Freitas.

Dois leitores contestaram o artigo.

Um juiz considerou falsa a conclusão de Freitas. “Quando o ministro Joaquim externou sua posição, não existia qualquer questão judicial sobre o tema. Assim, não parece que tenha existido violação da imparcialidade na decisão do ministro”.

“A opinião dele veio primeiro a lide veio depois”, afirmou o magistrado.