Soltura de José Dirceu afronta a segurança jurídica, diz advogado
Sob o título “Um caso prático: o princípio de colegialidade e a Súmula 634 do STF”, o artigo a seguir é de autoria de Rogério Tadeu Romano, advogado e procurador regional da República aposentado.
***
Informa-se no blog do Estadão, datado de 26 de junho de 2018:
“A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu por maioria, nesta terça-feira, 26, mandar soltar o ex-ministro José Dirceu, preso da Operação Lava Jato. Ele foi levado para cumprir pena em 18 de maio, após esgotados os recursos no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que confirmou a condenação de Dirceu de 30 anos e 9 meses.
A iniciativa foi do relator do caso, Dias Toffoli, acompanhado por Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Ficou vencido o ministro relator da Lava Jato, Edson Fachin. O decano Celso de Mello não estava presente na sessão.
Após o voto do ministro Toffoli, que entendeu que havia problemas na dosimetria da pena de Dirceu, o ministro Edson Fachin pediu vista (mais tempo de análise). Com isso, Toffoli sugeriu que a turma votasse um habeas corpus de ‘ofício’ ao ex-ministro, visto que esta é a última semana de atividades do judiciário antes do recesso.
Toffoli foi acompanhado por Lewandowski e Gilmar para que Dirceu fique solto até que Fachin devolva a vista do processo.
No julgamento, Fachin criticou a decisão de Toffoli, afirmando que ela vai contra entendimento do plenário da Corte. Segundo Toffoli, a liberdade de Dirceu não diz respeito a sua posição sobre prisão em segunda instância, frisando que não estaria contrariando o entendimento do STF, que permite prisão após condenação em segundo grau. Toffoli afirmou que sua decisão foi tomada a partir da argumentação da defesa em torno de questões de prescrição e dosimetria da pena no processo do ex-ministro.”
Soma-se a isso informação do jornal O Globo, do mesmo dia, em seu blog:
“A defesa pediu efeito suspensivo da condenação determinada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). Esse julgamento ainda não terminou, mas os ministros resolveram deixar Dirceu em liberdade até a conclusão do caso. O caso é semelhante ao do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que terá o recurso julgado pelo plenário do STF em agosto.”
II – SÚMULA 634 DO STF
A jurisprudência majoritária do STF é de que não cabe efeito suspensivo em recurso extraordinário cuja admissibilidade ainda não foi votada pela Corte a quo.
Observa-se da súmula 634 do STF:
Não compete ao Supremo Tribunal Federal conceder medida cautelar para dar efeito suspensivo a recurso extraordinário que ainda não foi objeto de juízo de admissibilidade na origem.
“Conforme já assentado na decisão recorrida, o ajuizamento perante esta Corte de ação cautelar para que se conceda efeito suspensivo a recurso extraordinário apenas é cabível nos casos em que tal insurgência tenha tido juízo positivo de admissibilidade na origem. In casu, não se verifica a ocorrência desse requisito, pelo que se mostra manifestamente incabível a presente ação. Incidem, portanto, as Súmulas 634 e 635 do STF, as quais assim dispõem: (…).
(…) Outrossim, anoto que tal providência resta mantida também sob a vigência do CPC/2015, cujo art. 1.029, § 5º, I, prevê que ‘O pedido de concessão de efeito suspensivo a recurso extraordinário ou a recurso especial poderá ser formulado por requerimento dirigido […] ao tribunal superior respectivo, no período compreendido entre a publicação da decisão de admissão do recurso e sua distribuição, ficando o relator designado para seu exame prevento para julgá-lo’.” (AC 4204 AgR, relator ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgamento em 2.5.2017, DJe de 17.5.2017)
“Ementa: Agravo interno nos embargos de declaração em ação cautelar. Atribuição de efeito suspensivo a recurso extraordinário sobrestado na origem. Medida acautelatória a ser apreciada pelo tribunal a quo (art. 1.029, § 5º, inciso III, do CPC/2015). Agravo interno do qual se conhece e ao qual se nega provimento. 1. Proferida decisão determinando o retorno dos autos do apelo extremo ao tribunal de origem, sob o fundamento de que a matéria versada no recurso constitucional é objeto de exame por esta Corte na sistemática da repercussão geral, a ação cautelar deve seguir a sorte do processo principal, passando a competência para analisar a medida acautelatória a ser do tribunal a quo. Inteligência do art. 1.029, § 5º, inciso III, do Código de Processo Civil/2015. Precedentes. 2. Agravo interno do qual se conhece e ao qual se nega provimento.” (AC 3981 ED-AgR, relator ministro Dias Toffoli, Segunda Turma, julgamento em 2.5.2017, DJe de 23.5.2017).
Não tendo o Tribunal a quo se manifestado, seja conhecendo do recurso extraordinário, remetendo para o Tribunal ad quem (STF) a matéria, ou não, para julgamento do mérito daquele remédio recursal, não cabe à Corte Superior dar seguimento ao pedido de natureza cautelar solicitado, uma vez que a jurisprudência é firme no assunto, faltando ao requerente os requisitos da tutela de urgência instrumental: fumaça de bom direito e perigo de demora, próprios da cautelar inominada.
III – MATÉRIA DA PROVA EM HABEAS CORPUS
A questão da dosimetria envolve análise profunda das provas, algo que ultrapassa o limite do habeas corpus.
No julgamento do HC 107.350/RS, DJe de 18 de maio de 2011, relatora ministra Cármen Lúcia, entendeu-se que, em sede de habeas corpus, há impossibilidade de circunstâncias judiciais e de causas de diminuição de pena.
O conhecimento do habeas corpus pressupõe prova pré-constituída do direito alegado, devendo a parte demonstrar de maneira inequívoca a pretensão deduzida e a existência do evidente constrangimento ilegal.
O reexame da dosimetria da pena em sede de habeas corpus somente é possível quando evidenciada flagrante ilegalidade e não demandar análise do conjunto probatório..
A decisão nega vigência à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, pois o próprio STF entendeu que é cabível a prisão com condenação em segunda instância. A matéria de mérito, salvo afrontosa ilegalidade, deveria ser objeto de exame próprio, em recurso especial, onde se discute afronta à lei federal, especificamente, ao artigo 59 do Código Penal, que trata das circunstâncias judiciais.
O Supremo Tribunal Federal não poderia se substituir, com o devido respeito, ao Superior Tribunal de Justiça que trata da guarda da lei federal, e a jurisprudência já firmada na matéria, em julgamento pelo Plenário.
Com o devido respeito, afronta-se a segurança jurídica, requisito essencial para a sociedade no Estado de Direito.