Afastamento do ministro do Trabalho e a garantia da ordem pública
Sob o título “A medida de suspensão do ministro de Estado de exercício de cargo”, o artigo a seguir é de autoria de Rogério Tadeu Romano, advogado e procurador regional da República aposentado.
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O Supremo Tribunal Federal determinou o afastamento do ministro do Trabalho, Helton Yomura, do cargo.
Aplicou-se, no caso, o artigo 319 do Código de Processo Penal, que traz um rol de medidas cautelares, alternativas à prisão, que devem ser suficientes para atingir o desiderato de manter os investigados sob controle e vigilância.
As medidas foram autorizadas pelo ministro do Supremo Edson Fachin, a pedido da Polícia Federal e da Procuradoria-Geral da República.
Segundo a PGR, “os investigados utilizam rotineiramente os cargos para viabilizar a atuação da organização criminosa e para solicitar tratamento privilegiado a processos de registros sindicais”.
Uma medida alternativa à privação da liberdade, é, por vezes, suficiente para atingir o desiderato penal.
Casos há em que ele continua a usar e a movimentar a máquina pública para fins ilícitos, muitas vezes abusando de seu poder para turbar investigações ou dificultar a produção probatória. Nessas hipóteses, justificável o afastamento, em prol da ordem processual e da lisura administrativa.
Para tal, é necessário o “justo receio” da utilização do cargo público para a prática de infrações penais. A regra, portanto, é a manutenção do status, e a exceção a supressão do direito –como deve ser em um Estado de Direito. Exige-se motivação, fundamentação, para a retirada do cidadão de suas funções.
Concentram-se os requisitos na necessidade e adequação (artigo 282, I e II, do Código de Processo Penal), que estão intimamente ligados ao princípio da proporcionalidade. Assim, a análise com relação à gravidade real da conduta é o índice a ser levado em conta para atendimento da medida, ou seja, sua adequação.
Há de se considerar uma razoabilidade interna, que se referência com a existência de uma relação racional e proporcional entre motivos, meios e fins da medida e ainda uma razoabilidade externa, que trata da adequação de meios e fins.
Tais lições foram essencialmente de cogitação do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, como bem ensinou Luís Roberto Barroso, ao externar um outro qualificador da razoabilidade-proporcionalidade, que é o da exigibilidade ou da necessidade da medida. Conhecido ainda como princípio da menor ingerência possível, consiste no imperativo de que os meios utilizados para consecução dos fins visados sejam os menos onerosos para o cidadão. É o que conhecemos como proibição do excesso.
Há ainda o que se chama de proporcionalidade em sentido estrito, onde se cuida de uma verificação da relação custo-benefício da medida, isto é, da ponderação entre os danos causados e os resultados a serem obtidos. Pesam-se as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim.
Em resumo, do que se tem da doutrina no Brasil, em Portugal, dos ensinamentos oriundos da doutrina e jurisprudência na Alemanha, extraímos do principio da proporcionalidade, que tanto nos será de valia para adoção dessas medidas não prisionais, os seguintes requisitos:
a) da adequação, que exige que as medidas adotadas pelo Poder Público se mostrem aptas a atingir os objetivos pretendidos;
b) da necessidade ou exigibilidade, que impõe a verificação da inexistência de meio menos gravosos para atingimento de fins visados;
c) da proporcionalidade em sentido estrito, que é a ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido para constatar se é justificável a interferência na esfera dos direitos dos cidadãos.
A medida cautelar pessoal há de estar prevista em lei e que tenha finalidade em lei. Ademais, deverá respeitar ao primado do menos gravoso, que imbui a necessidade de um juízo de proporcionalidade, de sorte a permitir o perfeito controle da pertinência e adequação e ainda validade da medida.
A ideia da legalidade no direito processual penal é encontrada nos Códigos de Portugal, Itália, no Chile, por exemplo.
Digo isso porque a vedação às chamadas medidas cautelares atípicas sempre esteve ligada ao princípio da legalidade da persecução penal. Assim, é imprescindível a expressa permissão legal para tanto, de forma que vigora o princípio da legalidade e mais ainda o da taxatividade das medidas cautelares.
Em resumo, as medidas constantes do artigo 319 do CPP, com a redação que lhe foi dada pela Lei 12.403, têm como propósito evitar o encarceramento.
Sendo assim, a consequência jurídica do delito a ser imposta pelo Estado deve ofender, no mínimo possível, a liberdade humana.
Com o devido respeito não posso concordar com a fundamentação apresentada no editorial de O Estado de São Paulo de 6 de julho de 2018:
“O afastamento de um ministro de Estado também interfere na separação dos Poderes. Na prática, torna sem efeito a nomeação feita pelo presidente da República, já que o ocupante do cargo, por força da decisão judicial, terá de interromper o exercício das funções para as quais havia sido nomeado. E, no entanto, só pode demitir ministro quem o nomeia e este não é um juiz.
A Constituição de 1988 estabelece que a primeira competência privativa do presidente da República é ‘nomear e exonerar os Ministros de Estado’ (art. 84, I). E logo a seguir volta a se referir aos ministros de Estado, dizendo que compete privativamente ao presidente da República ‘exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal’.
Sendo o STF responsável por proteger a Constituição, é de esperar que os integrantes da Suprema Corte respeitem as atribuições presidenciais nela previstas. Não cabe à Justiça nomear ou exonerar ministros de Estado. Tal realidade institucional encontra-se, no entanto, ofuscada nos tempos atuais.”
Ora, não se trata de exoneração, demissão, medidas administrativas próprias, mas de medida cautelar tomada no exercício do poder geral de cautelar, no âmbito penal, em razão da ordem pública.
Exigir que o ocupante de cargo de ministro de Estado, agente público, auxiliar do presidente da República, somente sai por vontade daquele que lhe nomeou por decreto, negando vigência ao disposto aos artigos 282 e 319 do CPP, é algo que afronta a razoabilidade e ainda ao princípio republicano, que se apresenta como um princípio eminentemente democrático.
A ideia se prosseguisse significaria uma verdadeira negativa de jurisdição penal em afronta ao Estado de Direito. A atividade jurisdicional é indelegável, somente podendo ser exercida, pelo órgão que Constituição Federal de 88 estabeleceu como competente.
Trata-se de medida cautelar penal tomada no curso do processo que não afronta ao princípio da presunção de inocência. Essa providência (suspensão temporária do exercicio do cargo ou função) só pode ser tomada pelo órgão jurisdicional competente.
A suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira, quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais, é medida, que tomada dentro dos parâmetros da necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou instrução criminal e para evitar a prática de infrações penais, é instrumento adequando da medida à gravidade do crime, observando-se as condições pessoais do indiciado ou acusado (artigo 282, I e II do CP).
De toda sorte, obedecida a garantia da ordem pública, diante de uma afronta expressa ao princípio da moralidade administrativa, dentro de limites de proporcionalidade, era caso de se esperar que se proponha perante o Supremo Tribunal Federal a adoção da medida cabível de suspensão do exercício de cargo público.
Inédita na história recente, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de afastar do cargo o ministro do Trabalho, Helton Yomura, levou o auxiliar do presidente Michel Temer a pedir exoneração. Com isso aquela medida cautelar, exercida dentro dos limites da jurisdição, fica prejudicada.