Promotor vê “manobra astuciosa” no habeas corpus para soltura de Lula

Frederico Vasconcelos
Roberto Livianu, promotor de Justiça e fundador do Instituto Não Aceito Corrupção (Bruno Santos/Folhapress)

Sob o título “A soltura incompetente. Ainda há juízes no Brasil”, o artigo a seguir é de autoria de Roberto Livianu, promotor de Justiça em São Paulo e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção.

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Lula foi condenado a doze anos e um mês de reclusão por corrupção e outros crimes, sendo sua condenação confirmada e a pena ampliada pelo TRF. O STF determinou sua prisão, como o Brasil já sabe. Além do caso do tríplex do Guarujá, ele responde a outros seis processos criminais.

O caso que gerou a condenação foi acompanhado pelo mundo jurídico e político, inclusive porque seu nome chegou a ser cogitado para ser candidato à Presidência da República. No entanto, ao ser confirmada sua condenação criminal pelo TRF, tornou-se ficha suja, nos termos da Lei da Ficha Limpa, que o próprio Lula sancionou quando era Presidente.

Sendo ficha suja, não pode ser candidato e seu nome não estará na cédula em 7 de outubro.

Mas seu partido insiste em fingir que não sabe disto e se comporta como se ele pudesse ser e neste domingo parlamentares correligionários de Lula, capitaneados por Wadih Damous (cuja tese dita e repetida é no sentido que “a Turma da Lava Jato é a responsável pela geração de todos os problemas do país) e requereram ao desembargador de plantão no TRF a soltura de Lula.

Plantões são instrumentos criados pelo sistema de justiça para garantir acesso pleno a ela e efetividade diante de emergências. Mas não é o nosso caso. O desembargador Favreto tem profundas ligações com o partido do ex-Presidente, o que é público e notório. Além disto, posicionou-se no sentido de admitir a responsabilização disciplinar de Sergio Moro por “abuso de autoridade”.

O mérito deste caso já havia sido decidido e a permanência ou não na prisão foi apreciada pelo pleno do Supremo Tribunal Federal. Ou seja, os requerentes postularam ao plantonista que afrontasse uma decisão do pleno do STF. Tudo leva a crer que houve uma manobra astuciosa e milimetricamente calculada, visando negar a própria justiça.

Favretto mandou soltar Lula ainda neste domingo, mas logo houve contraordens decorrentes de decisões do juiz Sergio Moro e ao final do desembargador Gebran Neto, competente para deliberar a respeito do caso de Lula.

Favreto, pelas ligações que ostenta com o partido do ex-Presidente, deveria dar-se por impedido para apreciar o caso, pois não detém a necessária imparcialidade para a apreciação do caso, mas não o fez e indevidamente decidiu a favor de Lula, quebrando os compromissos essenciais imprescindíveis da magistratura simbolizados pela imagem de Thêmis e seus olhos vendados.

Os olhos de Favretto estavam sem venda alguma e a atitude dos parlamentares-companheiros fere de morte o princípio processual penal do Juiz Natural. Tentaram obter um magistrado conveniente para os propósitos partidários, sem seguir os ditames do devido processo legal.

Favretto não era competente para apreciar o pedido e sua decisão foi prontamente revogada, já havendo inclusive quem enxergue de forma autorizada na conduta do desembargador que determinou a soltura indevida de Lula violação ao artigo 328 do Código Penal, que define o crime de usurpação de função pública.

Tentou-se um expediente num domingo para que a soltura acontecesse de forma surpreendente, para que quando todos se dessem conta nada mais pudesse ser feito, mas não lograram êxito. O sistema de justiça não pode ser invocado nem se prestar a este tipo de jogada, como na mesa de pôquer e necessariamente precisa oferecer segurança jurídica à sociedade.

Penso que a atitude dos parlamentares não é aceitável nem no plano ético nem no plano de representação do povo, vez que foram eleitos para agir para os interesses de toda a sociedade e assim agindo não o fizeram, desrespeitando as regras de comportamento atinentes a seus mandatos. Faltou-lhes decoro.

Lula foi mantido preso e assim prosseguirá, salvo determinação em sentido diverso por parte do Supremo Tribunal Federal. É o que foi determinado pela Justiça. Ainda há Juízes no Brasil.