Tumulto processual e crime de prevaricação
Sob o título “Um crime de prevaricação”, o artigo a seguir é de autoria de Rogério Tadeu Romano, advogado e procurador regional da República aposentado.
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I – O FATO
Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, em sua edição de 12 de julho de 2018, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enviou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) pedido de abertura de inquérito contra o desembargador Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), pelo crime de prevaricação.
Ela entende que o magistrado agiu fora da sua competência ao conceder habeas corpus ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (condenado e preso na Lava Jato). Em outra decisão, a PGR também enviou ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) reclamação disciplinar contra o desembargador do TRF-4.
Plantonista do tribunal no domingo passado, dia 8 de julho de 2018, Favreto expediu duas decisões que mandavam soltar Lula, posteriormente derrubadas pelo relator da Lava Jato, João Pedro Gebran Neto, e, finalmente, pelo presidente da Corte, Thompson Flores, à luz do artigo 108, e, da Constituição Federal.
No dia 10 de julho, o STJ também rejeitou o HC.
II – A RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL
No pedido ao STJ, a procuradora-geral aponta partidarismo de Favreto e menciona que o desembargador já foi filiado ao PT, além de assessor da Casa Civil no governo Lula.
“Este histórico revela que a conduta do representado não favoreceu um desconhecido, mas alguém com quem manteve longo histórico de serviço e de confiança e que pretendeu favorecer”, escreveu ela.
Na reclamação ao CNJ, a procuradora-geral afirma que o desembargador cometeu infração disciplinar “ao exercer atribuição judicial que não lhe fora deferida no plantão judicial, determinar a soltura do réu e dar fundamentação e aparência de legalidade a tal decisão”.
Procurado, Favreto disse que não tinha conhecimento dos pedidos da PGR.
No caso apontado houve desvio da competência do Superior Tribunal de Justiça, em ato, sabidamente, abusIvo e teratológico.
Em duas situações se pode falar em reclamação: nas hipóteses de preservação de competência e ainda na garantia da autoridade das decisões.
Na primeira, se ocorrer um ato que se ponha contra a competência do STF, quer para conhecer e julgar, originalmente, as causas mencionadas no item I, do artigo 102 da Constituição Federal, quer para o recurso ordinário no habeas corpus, o mandado de segurança, habeas data ou mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão, quer para o recurso extraordinário quando a decisão em única ou última instância, contrariar dispositivo constitucional, declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, ou julgar válida lei ou ato de governo local contestado perante a Constituição Federal, é cabível a reclamação.
A segunda hipótese para ajuizamento de reclamação abrange a garantia da autoridade das decisões.
Na correta lição de José da Silva Pacheco (“O mandado de segurança e outras ações constitucionais típicas”, 2ª edição, pág. 435) há de se preservar a autoridade da decisão, quer seja proferida em instância originária, quer em recurso ordinário ou em recurso extraordinário pelo STF; ou em instância originária, em recurso ordinário ou em recurso especial, pelo STJ.
A reclamação não é um mero incidente processual.
Não é recurso não só porque a ela são indiferentes os pressupostos recursais da sucumbência e da reversibilidade, ou os prazos, mas, sobretudo, como advertiu José da Silva Pacheco (obra citada, pág. 444), porque não precisa que haja sentença ou decisões nem que se pugne pela reforma ou modificação daquelas, “bastando que haja interesse em que se corrija um eventual desvio de competência ou se elida qualquer estorvo à plena eficácia dos julgados do STF ou do STJ”.
É, na realidade, a reclamação, uma ação, um writ constitucional, fundada no direito de que a resolução seja pronunciada por autoridade judicial competente, de que a decisão já prestada por quem tinha competência para fazê-lo, tenha plena eficácia, sem óbices ou se elidam os estorvos que se antepõem, se põem ou se pospõem à plena eficácia das decisões ou à competência para decidir, como ainda alertou José da Silva Pacheco (obra citada, pág. 444).
III – O CRIME DE PREVARICAÇÃO
Prevaricar é a infidelidade ao dever de oficio. É o descumprimento de obrigações atinentes à função exercida.
Na forma do artigo 319 do Código Penal, de 3 (três) maneiras o agente poderá realizar o delito. Duas delas de natureza omissiva (retardando ou omitindo o oficio).
Outra, de feição comissiva, praticando ato contrário a disposição expressa de lei.
O fato pode ser objeto, por certo, além de responsabilidade no âmbito penal, de condenação no campo civil da improbidade, à luz dos artigos 11 (violação de lei ou de princípio) e 12, III, da Lei n. 8.429/92.
O elemento subjetivo é o dolo genérico ou especifico. O primeiro consiste na vontade livremente endereçada à realização de qualquer das condutas referenciadas na norma. O dolo específico consiste na finalidade de o funcionário satisfazer interesse ou sentimento pessoal.
Se ha interesse pecuniário o crime é de corrupção passiva.
Na forma comissiva pode ocorrer tentativa.
O crime é de menor potencial ofensivo.
Destaco aqui que a jurisprudência no sentido de que não se pode reconhecer o crime de prevaricação na conduta de quem omite os próprios deveres por indolência ou simples desleixo, se inexistente a intenção de satisfazer interesse ou sentimento pessoal (JUTACRIM 71/320) e ainda outro entendimento no sentido de que ninguém tem a obrigação, mesmo o policial, de comunicar à autoridade competente fato típico a que tenha dado causa, porque nosso ordenamento jurídico garante ao imputado o silêncio e até mesmo a negativa de autoria (RT 526/395).