Encontros e desencontros com Hélio Bicudo

Entrevistei o jurista Hélio Bicudo em seu escritório de advocacia, quando comecei a trabalhar como jornalista em São Paulo, no final dos anos 60.

Na ocasião, fazia uma reportagem para a revista Veja.

Seu escritório ficava no centro da cidade. Havia sofrido uma invasão meses antes.

Impressionado com a figura franzina e a coragem do promotor que denunciou o chamado Esquadrão da Morte –grupo de policiais que executavam suspeitos–, perguntei como ele enfrentava aquelas ameaças.

Ele disse que o importante é estar sempre na mídia.

Era uma forma de mostrar que continuava ativo, sustentando as denúncias contra a violência, contra a tortura, que não estava sozinho, e nem atemorizado –assim entendi a resposta.

Quando o mensalão atingiu os dirigentes do Partido dos Trabalhadores, que ele ajudara a fundar, liguei numa quinta-feira para Bicudo, como repórter da Folha, pois algo me dizia que ele não continuaria no PT.

Ele confirmou minha suspeita, mas transferiu para a segunda-feira a entrevista que tentei agendar para o dia seguinte.

Na segunda-feira, frustrado, li as declarações que Bicudo deu à revista Veja, anunciando sua saída do partido.

Telefonamos para o jurista, cancelando a entrevista (ele falaria, no dia seguinte, ao jornal concorrente).

Anos depois, em maio de 2010, moderei um debate  no auditório da Folha, tendo Bicudo como um dos expositores.

Discutiu-se, na ocasião, a aprovação da Lei de Anistia e o impacto dessa decisão no julgamento do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre a Guerrilha do Araguaia.

Participaram do debate Beatriz Affonso, diretora do Cejil (Centro pela Justiça e Direito Internacional), o juiz Guilherme Guimarães Feliciano, professor de Direito da USP, e o advogado criminalista Roberto Delmanto.

Na mesa, com Bicudo ao meu lado, percebi que ele usava um discreto aparelho auditivo, igual ao que eu acabara de adquirir.

Ao final do debate, comentamos o sucesso da minha entrada no clube dos usuários da prótese…

Não havia ressentimentos pelo furo perdido e pela entrevista cancelada.

Depois da notícia de sua morte, encontrei duas notas que publiquei em fevereiro de 2007 no Painel, à época editado pela jornalista Renata Lo Prete.

Reproduzo-as, pela atualidade dos fatos relembrados pelo jurista:

Mea culpa 1. Em seu livro de memórias, Hélio Bicudo se diz arrependido por não haver aprofundado, em 1997, as investigações sobre negócios entre prefeituras do PT e a CPEM, empresa de Roberto Teixeira, compadre do presidente. “Havia o risco de ser detectado o envolvimento de Lula”, escreve.

Mea culpa 2. Bicudo revela no livro que Luiza Erundina, quando foi prefeita de São Paulo, não contratou a CPEM, apesar da insistência de Lula, uma iniciativa considerada “suspeita” por ela. Se a denúncia tivesse sido apurada a fundo, talvez não houvesse o mensalão em 2005, lamenta.