‘Como ficaria o militante partidário membro do Ministério Público?’

Frederico Vasconcelos
Francisco Dias Teixeira, subprocurador-geral da República aposentado, e Açao Direta de Inconstitucionalidade requerida pela ANPR (Arquivo pessoal e STF/Divulgação)

Sob o título “‘Data venia’ do nobre colega”, o artigo a seguir é de autoria de Francisco Dias Teixeira, subprocurador-geral da República aposentado, bacharel em Direito (PUC-SP) e em Filosofia (USP).

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Li por aí que a Associação Nacional dos Procuradores da República ingressou com ação no Supremo Tribunal Federal, objetivando assegurar a esses agentes públicos o direito de exercer atividade político-partidária – ou seja, ser militante de partido político e candidatar-se a, digamos, vereador ou Presidente da República.

Até quando obtive informação, havia controvérsia sobre essa pretensão, entre os Procuradores da República. Suponho que ainda haja polêmica. E é sempre arriscado emitir opinião, em público, sobre questão-polêmica. Especialmente se se trata de questão gestada no interior de uma instituição/corporação. O membro que se expõe fora do “corpo” corre o risco de ser amputado… Mas, se a questão diz respeito também à dita “sociedade”, que a esta seja exposta.

Na condição de cidadão, sou convictamente contra. E o era na condição de procurador da República em atividade, conforme me manifestei oportunamente.

Não vou entrar na área técnico-jurídica. Apenas digo, com a vênia dos doutos constitucionalistas, que não vejo qualquer inconstitucionalidade na lei que proíbe membros do Ministério Público e do Judiciário de militar em partido político e candidatar-se a cargos do Executivo ou do Legislativo.

No campo pré-jurídico ou político, percebo incompatibilidade entre o exercício da função ministerial ou judiciária e a militância partidária e/ou o embate político-eleitoral, especialmente em face do pressuposto/princípio de imparcialidade/independência/equidistância/isenção, que se aplica aos membros do Ministério Público e do Judiciário, mas não do Executivo e do Legislativo. E, para exercer as suas funções com isenção, o membro do Ministério Público e do Judiciário têm asseguradas constitucionalmente garantias que os membros do Executivo e do Legislativo não têm.

Dir-se-á: Mas a proibição legal da atividade partidária não elimina a convicção ideológico-partidária do indivíduo, e esta pode influir em sua atuação ministerial ou judiciária.

Certo. Mas, se generalizarmos esse argumento, chegaremos à conclusão de que toda lei/norma é inútil, porque não altera a subjetividade do indivíduo que se esforça por cumpri-la…. No entanto, a lei/norma contribui para ajustar a ação a um determinado objetivo desejável; e se isso não constitui um valor moral ou religioso, é útil socialmente.

E mais: a filiação partidária obriga o cidadão a ser fiel a normas, projetos e interesses da respectiva agremiação, em detrimento de outras agremiações, e, muitas vezes, colidentes com o dito “interesse social/geral”. Como ficaria o militante partidário que também é membro do Ministério Público?

É certo que ele poderá agir contra o interesse público mesmo não se vinculando a uma agremiação política. Mas, nesse caso, há órgãos de controle que, em tese, zelam para que a sua atuação se ajuste ao interesse público. E se ele age em conformidade com o programa de seu partido, a qual dos controles, a que código ético ele deve submeter-se? Várias outras questões poderiam ser formuladas para se demonstrar a incompatibilidade das duas atividades concomitantes.

E não me venha dizer que nos Estados Unidos promotor de Justiça e Juiz podem filar-se a partido político e, inclusive, são eleitos a estes cargos.

Ora, ora… Muitas coisas na cultura e nas instituições norte-americanas são diferentes das brasileiras. E nem tudo que lá funciona bem – admitindo-se que isto seja verdade – aqui funcionaria; e vice-versa. Não conheço bem os sistemas político e judiciário norte-americanos, mas “acho” que os nossos já apresentam vícios suficientes, de “per si”. Acumular as duas atividades numa só pessoa poderá, ao invés de somar, multiplicar esses vícios…

Abro um curto parêntese para dizer que, podendo agora exercer atividade político-partidária, não o faço nem pretendo, mas não a desmereço.

(*) Este artigo-crônica foi publicado no politicanamente.blogspot.com)