O desafio de entrevistar quem mente
Os recentes debates com Jair Bolsonaro, candidato do PSL à Presidência da República, continuam a render críticas ao entrevistado e a entrevistadores (com algumas exceções), dependendo da preferência de cada um.
É um desafio discutir os destinos de um país em crise, quando o próprio candidato assume o desconhecimento de questões relevantes e emite opiniões desconexas.
Diante de temas mais complexos, sem ideias próprias, Bolsonaro joga para o economista Paulo Guedes a responsabilidade total do programa de seu eventual governo.
Quando provocado, o capitão reformado transforma o debate, sem cerimônia, numa conversa de quartel na hora do rancho.
Em sua coluna na Folha, neste domingo (5), Samuel Pessôa analisa o programa “Roda Viva” da última segunda-feira (30).
“O erro dos jornalistas foi confundir sua posição profissional com seus próprios valores”, disse o doutor em economia e pesquisador da FGV.
Segundo ele, “os jornalistas não serão capazes de alterar a visão de mundo do candidato, dos seus eleitores nem da população que não tem uma avaliação tão dura, seja da ditadura, seja da tortura, seja de que bandido bom é bandido morto”.
O articulista levanta um aspecto que também vale para outros candidatos: “Como entrevistar pessoas que não se constrangem ao serem pegas mentindo deslavadamente, negando o que é claramente verdade?”
A propósito, há um episódio interessante ocorrido ainda na ditadura militar.
Paulo Maluf era entrevistado por jornalistas e convidados de um programa de televisão, em São Paulo, quando o deputado estadual e advogado Almir Pazzianoto Pinto, incomodado com as evasivas, interrompeu o ex-prefeito [o diálogo a seguir é reproduzido de memória]:
“Eu não minto para meus eleitores”, disse Pazzianotto.
Talvez pego de surpresa, Maluf parece ter caído numa armadilha:
“O senhor está dizendo que eu minto?”
Sem alterar a voz, o advogado respondeu: “Não. Estou dizendo que eu não minto para meus eleitores”.
Talvez Maluf ainda imagine ter convencido a sociedade de que não tem e nunca teve contas no exterior.