Quando o Ministério Público e a Justiça tardam

Frederico Vasconcelos

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça deverá julgar nesta quarta-feira (15) o mérito de duas denúncias oferecidas contra o subprocurador-geral da República Moacir Guimarães Morais Filho, acusado da prática do crime de concussão –obtenção de vantagem, valendo-se do cargo. (*)

Os fatos ocorreram há quinze anos. O processo já tem mais de 3.000 folhas e está no seu oitavo volume. O relator é o ministro Herman Benjamin.

Denunciado pelo então procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, Morais Filho teria exigido vantagens indevidas da empresa Real Engenharia Ltda.

À época ele era comprador de um empreendimento em Brasília e instaurou Procedimento Administrativo para tratar de interesse próprio e “forçar” a construtora a firmar Termo de Ajustamento de Conduta dispensando obrigações contratuais com as quais não concordava.

Segundo os autos, o denunciado “valendo-se ilicitamente de seu cargo de subprocurador-geral da República e competente para apreciar matérias relativas à proteção do consumidor e à ordem econômica, exigiu, entre 31/07/2003 a 15/09/2003, em benefício próprio e de terceiros, vantagens indevidas, de natureza pecuniária, da empresa Real Engenharia Ltda”.

Ele era, à época dos fatos, promitente comprador de unidade autônoma no Edifício Real Park, em Brasília, pelo preço de venda de R$ 45,9 mil.

O subprocurador também é acusado de falsificação de sinal público e prevaricação. Ou seja, uso indevido do brasão da República e da expressão “Ministério Público Federal” e “Procuradoria-Geral da República”, identidade visual e institucional do MPF, ao expedir dez ofícios, dirigidos a autoridades da Receita e Polícia Federal, por interesse individual privado.

Em outubro de 2017, o juiz federal instrutor, Gustavo Pontes Mazzocchi, determinou o levantamento do segredo de justiça, “tendo em vista que a publicidade dos processos é a regra e não há determinação de sigilo nestes autos”.

Na defesa preliminar, o subprocurador afirmou que a denúncia era intempestiva (os fatos se deram em 2003 e a acusação foi protocolada em 2013). Sustentou que o procedimento contra a construtora foi instaurado por provocação do síndico do condomínio no qual o requerido tinha uma unidade comercial.

Argumentou que “não buscava satisfazer sentimento ou interesse pessoal, nem poderia ser considerado impedido ou suspeito, porque agiu no estrito cumprimento do dever legal de apurar as supostas irregularidades cometidas pela empresa de construção civil contra mais de cem consumidores”.

Sobre o uso indevido de sinal público, Morais diz que invocou sua condição funcional, solicitando, nos mencionados ofícios, abertura de ação fiscal e instauração de inquérito policial em face de pessoas desprovidas de prerrogativa de foro, o que caracterizou atuação fora das atribuições do seu cargo.

O relator entendeu que há elementos para a acusação prosseguir.

Segundo Herman Benjamin, o subprocurador-geral, “em princípio, não deveria valer-se do seu cargo para forçar a dispensa de encargos contratualmente previstos”.

“Há indício de dolo consistente no interesse de obter vantagem indevida (dispensa de encargos contratuais), e também se pode vislumbrar exigência na atuação, uma vez que se valeu peremptoriamente do seu cargo para obter proveito pessoal”.

Em 2004, o subprocurador-geral afirmou ao jornal Valor que agiu em nome de outros 132 adquirentes do imóvel contra cláusulas abusivas da construtora.

“Eu, aqui (no Ministério Público), assino recomendações para o serviço de telefonia e sou usuário do serviço de telefonia. Eu sou usuário do plano de saúde, de eletricidade, de água e de tantos outros serviços de que nós aqui fazemos recomendações. Estamos no meio de uma massa de interesses meta-individuais. Por que teria de ser diferente com referência a uma construtora?”, questionou.

Fonteles discordou: “A questão é nitidamente privada”. O então PGR informou que o subprocurador-geral fez tramitar um procedimento contra a construtora “no âmbito de seu próprio gabinete” e denunciou a construtora à Polícia Federal, à Delegacia do Consumidor e ao Procon.

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(*) APn 733 e APn 741