Candidaturas natimortas e golpe eleitoral

Frederico Vasconcelos
Urna eleitoral que será usada neste ano, ilustrada com símbolo da campanha do Movimento de Combate a Corrupção Eleitoral (Divulgação)

Condenado pelos crimes de estelionato e associação criminosa em 2010 pela Justiça do Amapá, o comerciante Francisco das Chagas Rogerio Jacome Costa requereu, no dia 13 de agosto deste ano, o registro de candidato a deputado estadual pelo PSDB do Maranhão com o nome de urna de Rogério Pit Bull.

A pena aplicada ao maranhense do município de Bacabal –de três anos e oito meses de prisão– havia sido convertida em prestação pecuniária, dividida em 44 prestações mensais.

No dia 30 de agosto, o candidato pagou R$ 54 mil, cumprindo integralmente a sentença. A 2ª Vara de Execuções Penais de São Luís declarou extinta a pena.

A Procuradoria Regional Eleitoral, contudo, requereu a impugnação do registro da candidatura, pedindo o julgamento antecipado do mérito.

No último dia 13, o juiz (relator) Eduardo José Leal Moreira, do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão, indeferiu o pedido de registro da candidatura de Rogério Pit Bull.

A legislação eleitoral prevê que a inelegibilidade permanece até o transcurso de oito anos após o cumprimento da pena. Até o final de agosto de 2026, Francisco das Chagas Rogerio Jacome Costa é inelegível.

Costa confirmou o trânsito em julgado da sua condenação criminal. Em sua defesa, ressaltou apenas que a Lei da Ficha Limpa não seria aplicada ao caso concreto. O único documento novo que juntou aos autos foi a comprovação da extinção da pena.

A decisão de Moreira facultou ao PSDB substituir o candidato. Costa desistiu da candidatura no último dia 17.

“Houve um pedido de tutela provisória formulado pela Procuradoria Regional Eleitoral, o que exigiu desta relatoria uma adequação do rito, para que o pedido de urgência, considerando sua relevância jurídica e consequência no mundo dos fatos, fosse o mais brevemente possível apreciado por este Órgão Colegiado”, anotou o magistrado.

Moreira determinou a imediata suspensão da utilização do horário eleitoral gratuito –inclusive das inserções ao longo da programação. Mandou suspender o repasse de recursos de origem pública à campanha eleitoral de Costa. E fixou multa diária de R$ 10 mil, em caso de descumprimento, a ser paga com dinheiro do próprio candidato.

“O simples pedido de registro de candidatura enseja para a sociedade brasileira o custeio de grande parte das despesas relativas à campanha eleitoral, sendo evidente o prejuízo aos cofres públicos, com o seguimento da campanha eleitoral do candidato manifestamente inelegível”, registrou o juiz em sua decisão.

O juiz entendeu que o candidato abusou do direito de petição, pois “efetuou o pedido de registro de candidatura muito embora soubesse da sua condenação criminal transitada em julgado”.

O artigo 15 da Lei Complementar nº 64/90 (Lei de Inegibilidade), alterado pela Lei da Ficha Limpa, determina que a decisão de órgão colegiado impede o seguimento da campanha do candidato com ficha suja.

O juiz do Maranhão citou voto do ministro Roberto Barroso no julgamento, pelo Tribunal Superior Eleitoral, do registro da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O TSE confirmou a possibilidade de julgamento antecipado do mérito.

Na decisão que indeferiu o registro de Lula, o colegiado deu eficácia imediata à própria decisão –e o voto de Barroso confirmou que as decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais têm essa mesma eficácia.

O que está em jogo nesses casos é o risco de uso indevido do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, constituído por dotações orçamentárias da União, e os recursos para campanhas eleitorais com dinheiro do Fundo Partidário (compensação fiscal do horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão). Juntos, esses fundos totalizam R$ 2,6 bilhões.

Sabendo-se que a candidatura vai ser indeferida, há a possibilidade de desvio dos recursos alocados ao candidato. Quando os recursos são entregues a partidos e candidatos, não há nenhum critério para orientar o gasto. Ou seja, poderão gastar como quiserem, sem licitação nem qualquer controle.

Há a hipótese de candidatos –sabendo que terão o registro indeferido– usarem notas falsas nas prestações de contas para justificar gastos inexistentes.

O juiz Eduardo Moreira sublinhou o caráter profilático de sua decisão. “Não o proibimos de fazer campanha e de figurar na urna eletrônica. Ele tem o direito de fazer campanha, mas com o dinheiro dele. Limitamos apenas o uso de dinheiro público. Estamos resguardando o interesse público”, disse ao Blog.

O voto do juiz maranhense foi elogiado pelo especialista em Direito Eleitoral José Jairo Gomes, procurador regional da República no TRF-1. Ele considera a decisão um exemplo a ser adotado por juízes em outros estados.

Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Gomes é autor do livro “Direito Eleitoral”, que está na 14ª Edição.

Ele publicou recentemente artigo no site Consultor Jurídico, sob o título “O problema do financiamento público a candidaturas natimortas”. Nesse texto, afirma que a concessão da tutela provisória “não implica necessariamente a ocorrência de prejuízos à parte impugnada”.

“Em seus momentos iniciais, a campanha pode ser tocada com recursos próprios do candidato ou mesmo com recursos arrecadados do meio privado, notadamente de doações de pessoas físicas”, disse.

Para Gomes, “o pedido de registro de candidatura desprovido de fundamentos jurídicos razoáveis evidencia-se inútil e protelatório, destinando-se apenas a promover vaidades individuais, manipular a boa-fé do eleitor pela eventual continuidade do futuro candidato substituto e viabilizar dispêndio estéril de escassos recursos públicos”.

Em seu artigo, ele lista vários casos de pedidos de registro de candidaturas de pessoas condenadas por crimes como receptação, extorsão, crimes contra a administração pública e coação no curso do processo.

“Os entes partidários ignoraram qualquer filtro ético ou jurídico, chegando a formalizar perante a Justiça Eleitoral pedidos de registro de candidatura de pessoas que, à luz da Constituição e do sistema jurídico, evidentemente não podem ser candidatas, sendo essa impossibilidade insuperável”, registrou Gomes.
(*) Processo nº 0600515-71.2018.6.10.0000 – Classe RCAND – RRC – AIRC