O comércio de liminares nas redes sociais
Os detalhes do leilão de liminares na Justiça do Ceará, praticado em redes sociais, estão disponíveis em acórdão publicado nesta terça-feira (25) no Diário de Justiça Eletrônico, edição nº 182/2018.
Trata-se de processo disciplinar que resultou na aplicação, pelo Conselho Nacional de Justiça, da pena de aposentadoria compulsória ao desembargador Carlos Rodrigues Feitosa, no último dia 18. O magistrado concedia habeas corpus em plantões judiciários mediante acerto prévio combinado no Facebook por seu filho, Fernando Feitosa, e um grupo de advogados. (*)
Na peça, está registrado que houve um “verdadeiro comércio de decisões judiciais”.
Eis a transcrição de trecho do anúncio, feito em 23/11/2012, por Fernando Feitosa no Facebook:
Olha aí o plantão do fórum moçada 🙂
(…)
Dia 28 no FCB a gente manda prender e soltar 🙂
Segundo os autos, o esquema foi confirmado em 2013, na Operação Bela Vista, quando a Polícia Federal desarticulou organização criminosa voltada à distribuição de drogas.
Com o auxílio de interceptações telefônicas e telemáticas, foi possível prender líderes da organização que, mesmo detidos, “passaram a manter contatos com alguns advogados na perspectiva de encontrar uma ‘solução’ para seu encarceramento”. As investigações identificaram a concessão de liminares em habeas corpus impetrados em plantões judiciários do desembargador Carlos Feitosa. Os fatos foram noticiados na época pelo jornal Diário do Nordeste, editado em Fortaleza.
“Consta dos autos que a negociação, que se assemelhava a “pregões de bolsa” nos quais se indicavam o valor do título, teve ampla participação do filho do desembargador, Fernando Feitosa, que atuava como intermediador entre o pai, ora processado, e advogados”
O filho criou grupo no aplicativo de Wathsapp para divulgar os dias em que seu pai estaria respondendo pelos plantões no Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. Esse foi o veículo usado para a divulgação e acertos com advogados para a obtenção de alvarás de soltura. Nesse “fórum” eram também indicados os valores.
Nas semanas que antecederam o Natal de 2012, foram intensificadas as mensagens e anúncios para a impetração de habeas corpus no plantão judiciário do dia 25 de dezembro, para o qual o desembargador foi escalado.
Recado de Fernando Feitosa no Face, no dia 23 de novembro de 2018:
Na próxima quinta-feira, dia 28 (quinta) haverá plantão no TJ bom, caso vc tenha algum cliente preso bom ($$$$) é um bom momento de solta em, ainda vai se houver algum excesso de prazo bem nítido!! Abs
6/12/2012:
Fernando Feitosa:
Marquim dia 21 tem que tá na mão tudo, $$$ e minutas OK!? Pois dia 24 e 25 os bancos não abrem por conta do natal.
O Michel tá assim porque perdeu 4 bons honorários.
Advogado:
Haha já está na sacola
Fernando Feitosa:
Marquim temos que negociar valores
Chupas qt tá o hc no plantão?
FernandoFeitosa:
Não menos que 70 até 500, dependendo da conduta
La tera presente de natal: desconto de 5% para crimes de potencial ofensivo!!
Advogado:
Irei impetrar dois no dia 25
Ainda segundo os autos, em mensagens no dia 11/12/2012, Fernando Feitosa informa a um advogado que seria completamente possível a soltura de um dos envolvidos no furto ao Banco Central em Fortaleza:
Advogado:
Dá pra liberar no plantão?
Fernando Feitosa:
Libero na hora
Michel contigo é só acima de 200 mil; “os dedos estão coçando galera: tanto para canetar como para contar” ou “junto a minuta do HC quero cópia da denúncia ok”.
No plantão do Natal de 2012, foram submetidas –e deferidas– dez liminares ao desembargador Carlos Rodrigues Feitosa.
***
Em julho de 2013, novamente o desembargador Carlos Rodrigues Feitosa concedeu liminar em todos os dez habeas corpus que foram impetrados.
No dia 7 de junho de 2013, Fernando Feitosa enviou mensagem ao grupo, anunciando:
Amigos dia 07 de julho (domingo) tem plantas 🙂
Os que tiverem suas broncas, chegou a hora.
Um advogado questionou:
“Solta traficante com cinco processos em aberto?”
No mesmo dia do plantão, Fernando Feitosa divulga o sucesso nas negociações e liberações dos presos:
“O carcereiro está trazendo as chaves, bem como o fim dos trabalhos, com 100% de êxito, estando feliz por ter ajudado os amigos”.
***
A seguir, trechos do interrogatório do desembargador Carlos Rodrigues Feitosa:
Ministério Público Federal: O senhor chegou a questionar o seu filho, do porquê ele fez isso?”
Carlos Feitosa: Depois do fato eu falei: Rapaz, você me colocou numa situação muito desagradável. Ele disse: Papai, aquilo ali é, não é hacker não, não sei, aquilo é montagem. Eu como entendo muito pouco desse tipo de coisa de celular, eu também não fui discutir com ele. Entendeu?
(…)
Ministério Público Federal: Eu queria saber se o senhor sabia que ele tinha um grupo de advogados e que esses advogados tratavam de assuntos sobre soltura de presos, concessão de liminares. Relativamente a este grupo específico que eu pergunto se o senhor sabia.
Carlos Feitosa: Não, não tinha conhecimento. (…) Eu só fiquei sabendo dessas notícias pelo jornal.
(…)
Ministério Público Federal: E o senhor questionou sobre esse grupo?
Carlos Feitosa: Não! Eu perguntei para ele que história era essa desse grupo. Ele disse: Papai, não é um grupo propriamente dito, é a turma do racha. E a turma do futebol, que eles jogam lá na semana, uma ou duas vezes por semana”.
O Conselho Nacional de Justiça concluiu:
“A prova dos autos é manifesta no sentido de configurar que havia uma verdadeira organização criminosa, capitaneada por Fernando Feitosa, e, por óbvio, com o assentimento do magistrado processado, que efevivava os acertos escusos celebrados pelo filho, extrapolando, assim, todos os limites éticos e moralmente aceitáveis, sobretudo para que está investido na função de membro do Poder Judiciário”.
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(*) PAD: 0005022-44.2015.2.00.0000