Éramos infelizes e não sabíamos

Frederico Vasconcelos
A economista Zélia Cardoso de Mello, no programa Roda Viva em 1989, e ministra da economia com o presidente Fernando Collor (Roda Viva/Fapesp/Divulgação)

Os mercados “reagiram positivamente” à ampliação da liderança do candidato Jair Bolsonaro nas pesquisas do Ibope. “Raiva e desânimo são sentimentos comuns no eleitorado”, registra pesquisa Datafolha.

Sob o título “A festa do dinheiro com Bolsonaro”, o jornalista Vinicius Torres Freire comenta nesta quarta-feira (3), em sua coluna na Folha:

“A conjunção de um presidente instável e ignaro com uma equipe econômica amalucada e escasso apoio político deu no desastre de Fernando Collor, 1990-1992.

Os tempos são outros, a crise é outra e talvez o collorismo possa servir de lição, embora o Brasil esteja repetindo erros faz quase 40 anos”.

No dia 27 de novembro de 1989, a economista Zélia Cardoso de Mello, então responsável pelo programa econômico do candidato alagoano, estava no centro do programa “Roda Viva”. O clima era de euforia do mercado com o resultado das urnas no primeiro turno.

Zélia foi questionada sobre as promessas de campanha, a realidade da economia, o discurso ilusório e o que ela chamou de “aval das urnas”.

Este editor estava na bancada de entrevistadores, ao lado dos jornalistas Jan Rocha, José Antônio Severo, Luiz Roberto Serrano, Pedro Cafardo, Carlos Alberto Sardenberg e Aloysio Biondi.

Eis trechos do debate que, aparentemente, têm tudo a ver com o alerta de Freire:

Frederico Vasconcelos – Uma das deficiências da candidatura Collor foi exatamente a de um grupo de assessores que lhe emprestasse confiabilidade e credibilidade. O papel da senhora concentra muito essa falta de notáveis que dessem esse tipo de aval. Há uma mudança entre a sua análise econômica e o discurso que a senhora tem feito, inclusive em órgãos de comunicação. No jornal O Globo, de sexta-feira, a senhora afirmou que nenhum brasileiro vai morrer de fome no governo Collor de Mello e que não vai faltar comida na casa de nenhum brasileiro. Não tem nenhum dado nesse estudo [o programa econômico do candidato] que autorize esse tipo de declaração. Ou a senhora estaria blefando ou o jornal utilizou indevidamente algum tipo de análise sua.

Zélia Cardoso de Mello: Na verdade, o aval ao programa do Fernando Collor de Mello foi dado pelas eleições, foi dado no primeiro turno pelo povo brasileiro. Essa é, do nosso ponto de vista, a questão mais importante, mais relevante. Em segundo lugar, não há nem blefe, nem mal-entendido do jornal O Globo. Nós estamos detalhando algumas medidas, que de fato não estão aí, e principalmente as medidas que serão tomadas imediatamente. E, desse ponto de vista, a recomendação clara do candidato é de que o combate à inflação seja acompanhado de políticas compensatórias, de políticas de sustentação do consumo. É nesse programa que nós estamos trabalhando nesse momento e é exatamente essa a preocupação do candidato e o pedido que ele fez –de que fossem estudadas medidas a serem tomadas para garantir que as classe mais penalizadas, as classes menos assistidas não sofressem os efeitos do combate à inflação.