Toffoli e o general: ora direis ouvir estrelas

Frederico Vasconcelos
Ministro Dias Toffoli em sessão do Supremo Tribunal Federal (STF/Banco de Imagens – Divulgação)

Final dos anos 60, uma coluna de horóscopo em jornal de Pernambuco vaticinou algo assim: “Hoje o dia é favorável a negócios com militares e não é recomendável para contratos com civis”.

Naqueles tempos de censura, a curiosa profecia despertou dúvidas se seria uma mensagem subversiva cifrada. Prevaleceu a ideia de que era apenas obra de algum adulador que recorria aos astros para agradar as estrelas.

Em junho, promotores, advogados e juízes foram ouvidos pela Folha sobre o futuro do Judiciário a partir de setembro, com a formação da constelação Dias Toffoli-João Otávio de Noronha-Humberto Martins no comando do STF, do STJ e da corregedoria nacional.

Com o trio de advogados na cúpula do Poder, previa-se retrocesso no combate à corrupção, diminuição das prisões de detentores de foro especial, mais corporativismo e tolerância com desvios de magistrados.

“Para os mais críticos, Toffoli, sem maior preparo, vai ser presa fácil para o lobby político”, registrou a reportagem.

O que não se previa era a formação de um grupo de estrelas togadas e fardadas próximas umas das outras.

O convite de Toffoli ao general da reserva Fernando Azevedo e Silva para assessorá-lo na presidência do STF não provocou reações públicas no chamado Excelso Pretório.

O ex-ministro da Justiça José Carlos Dias considerou a escolha “uma má ideia” de Toffoli.

“O Supremo jamais precisou de uma assessoria militar. A escolha fica mal para o STF, pois é absolutamente desnecessária”, afirmou Dias, em reportagem da Folha no dia 1º de outubro.

Entre as teorias que circularam antes do primeiro turno, imaginou-se que, se as urnas elegessem presidente da República Fernando Haddad (PT) ou Ciro Gomes (PDT), o general poderia conter as resistências dos militares.

Na primeira etapa das eleições, deu Jair Bolsonaro e Haddad.

O mesmo texto especulava que, se o candidato do PSL for eleito Presidente, “o militar poderia ser um anteparo de medidas como a ampliação do número de ministros do STF”.

O general seria um termômetro para Toffoli sentir, com antecedência, a temperatura na caserna. Ou uma forma de sugerir que a chefia da toga tem o apoio do comando da farda.

Tal como a previsão do horóscopo pernambucano, a afirmação de Toffoli de que o golpe e a ditadura militar de 1964 foram apenas um “movimento” foi entendida como uma adulação às estrelas

O presidente do STF foi duramente criticado por sua “reinterpretação” daquele período de trevas.

“O ministro, pela ignorância crassa dos fatos, deve desculpas aos familiares dos assassinados, presos, torturados e desaparecidos. Mas essa ignorância ainda é mais grave porque revela um total desconhecimento do relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), escrito a partir dos depoimentos de centenas de vítimas e familiares, bem como do registro dos autores mais qualificados da historiografia nacional”, escreveram na Folha os ex-integrantes da CNV José Carlos Dias, Maria Rita Kehl, Paulo Sérgio Pinheiro, Pedro Dallari e Rosa Cardoso, no último dia 9.

O doutor em direito e professor da USP Conrado Hübner Mendes escreveu na Época, no último dia 12, que a trajetória de Toffoli “não carrega vestígios de excelência técnica ou contribuições jurídicas ao bem comum”.

“Em vez de reinterpretar a história, ofício para o qual demonstrou não ter vocação nem método, pede-se a ele apenas que interprete a Constituição”, sugeriu o colunista.

Em setembro, Mendes já via as Forças Armadas mandando “recados públicos ao tribunal mais alto do país para que este não saia da linha (não é por acaso que no gabinete do novo presidente do STF hoje mora um general)”.

Nesta semana, os jornalistas Carolina Brígido e Vinicius Sassine informam na Época que o general Azevedo, “em quase todos os compromissos institucionais, tem escoltado o presidente do Supremo na função de conselheiro”.

“Quase sempre, Toffoli convida Azevedo para que o acompanhe em viagens. Diante do favoritismo eleitoral de Bolsonaro, os dois devem ficar ainda mais colados”, preveem.

Segundo Brígido e Sassine, as Forças Armadas “têm, agora, um general para chamar de seu dentro do gabinete do presidente do STF e esperam uma atuação do colega de farda junto ao ministro que lidera a Suprema Corte”.