Resistências a Moro no STF e mitos da hierarquia militar

Frederico Vasconcelos
Juiz federal Sergio Moro, responsável pelo julgamento da Operação Lava Jato em Curitiba. (Foto: Eduardo Knapp/Folhapress)

A sinalização do candidato Jair Bolsonaro (PSL) de que poderá indicar o juiz federal Sergio Moro para o Supremo Tribunal Federal não foi bem recebida nas cortes superiores, informa Mônica Bergamo nesta terça-feira (23) na Folha.

Segundo um ministro, seria “colocar um soldado para comandar os generais”.

As restrições a Moro no STF são antigas e a referência à hierarquia militar parece inoportuna.

Os ministros da mais alta corte não se manifestaram quando o presidente Dias Toffoli convidou um general reformado para assessorá-lo na presidência.

O candidato a presidente, capitão reformado, tem como vice na chapa um general reformado.

Em 2017, muito antes da candidatura de Bolsonaro, Moro liderou lista tríplice de indicados para a vaga do ministro Teori Zavascki em consulta realizada pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).

Chegaria ao STF com apoio da base, digamos assim, o que teria faltado a Toffoli quando foi escolhido por Lula, a julgar pela reação de juízes de primeira instância.

Incomoda a vários ministros a impetuosidade de Moro, criticado, por exemplo, por determinar a condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pela liberação de trechos de gravações de conversas da ex-presidente Dilma Rousseff com Lula. “Não eram exatamente conversas republicanas”, teria afirmado o juiz posteriormente.

Mas a antipatia da corte suprema vai além desses episódios.

Os ministros Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes atribuíram a Moro atos de “resistência” ou “inconformismo quando contrariado por decisão de instância superior”. Na ocasião, estava em julgamento habeas corpus de um doleiro preso por decisão de Moro, que alegara parcialidade do juiz.

A mesma alegação de resistência foi invocada anos antes contra o então juiz federal Fausto De Sanctis, da Operação Satiagraha.

Em plena Lava Jato, Gilmar Mendes –mesmo tendo decidido favoravelmente ao juiz– pediu ao Conselho Nacional de Justiça e ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, que avaliassem se Moro havia cometido infração disciplinar. Mendes inovou, mas teve o apoio dos colegas de turma.

Celso de Mello queria invalidar o processo julgado por Moro. Teori Zavascki justificou a ordem de prisão. O caso foi arquivado pelo corregedor do TRF-4, desembargador Celso Kipper.

Kipper registrou que os mesmos fatos já haviam sido examinados em 2007 pela corregedoria do TRF-4, que determinara o arquivamento, decisão mantida pelo CNJ.

Ele considerou “absolutamente relevante” registrar que nem mesmo o julgamento do habeas corpus junto ao STF, “com toda a série de considerações vertida nos debates, trouxe qualquer elemento novo”.

Juiz de primeiro grau, o juiz da Lava Jato aparentemente estava contrariado com uma decisão superior quando mandou um ofício ao ministro Teori Zavascki. A operação talvez definhasse, não fosse a decisão de Zavascki, que atendeu ao pedido de Moro e mandou Paulo Roberto Costa de volta para a cadeia.

Ao rever sua decisão, o ministro viabilizou a delação do ex-diretor da Petrobras e o avanço da maior investigação contra a corrupção no país.

Há exemplos semelhantes, em outros processos e em outras instâncias, sugerindo que a gravidade dos fatos às vezes motiva certa quebra da hierarquia.

Preocupada com a hipótese de repatriamento de US$ 13 milhões depositados na Suíça pelo ex-juiz federal João Carlos da Rocha Mattos –uma questão pendente desde 2008– a procuradora regional da República Maria Luísa Carvalho, da 3ª Região, enviou ofício ao ministro Marco Aurélio, em agosto de 2012, pedindo preferência no julgamento de um recurso.

Um mês depois, o ministro determinou a devolução da petição à procuradora, registrando que “junto ao Pleno do Supremo atua o Procurador-Geral da República”.

Somente um ano depois, em agosto de 2013, ao despachar em requerimento da Procuradoria-Geral da República –que manteve as mesmas razões expostas pela procuradora regional–, Marco Aurélio determinou que fosse dada preferência no julgamento do recurso.

Em novembro de 2002, a União recuperou R$ 114 milhões –valores da época– ao suspender a expropriação de um prédio (garagem) usado pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo. A primeira instância adotara laudo pericial de um falso engenheiro, que utilizara valores compatíveis com os da Quinta Avenida, em Nova York.

A economia só foi obtida com a persistência da procuradora regional da República Ana Lúcia Amaral. A suspensão do pagamento de uma indenização milionária pelo prédio do TRF-3 se deveu a uma liminar concedida pelo ministro José Delgado, do Superior Tribunal de Justiça.

No STJ atuam apenas subprocuradores-gerais da República. Mas Delgado quebrou a praxe e recebeu a procuradora regional.