Estado deve indenizar mães de jovens mortos pela PM

“De um lado, está a Fazenda do Estado, que tem a obrigação de zelar pelos administrados, responsabilizando-se, assim, pela conduta de seus prepostos; e de outro, a figura das mães, pessoas humildes, que perderam os filhos precocemente, no contexto de um confronto policial. E nem se venha dizer que se estava tratando de ‘bandidos’, alvo de perseguição da polícia, pois mesmo os infratores da lei estão sob a proteção do Estado de Direito. Do contrário, será a barbárie, o ‘olho por olho’, até um dia em que, para lembrar a expressão de Mahatma Gandhi, o mundo acabará cego”. (Desembargador relator Luiz Sergio Fernandes de Souza)

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A Defensoria Pública de São Paulo destacou o trecho acima, retirado do voto do relator de uma decisão unânime da 7ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, que, em julho último, condenou o Estado a indenizar mães de dois jovens mortos por policiais militares.

A seguir, as informações divulgadas pelo órgão:

A Defensoria Pública de SP obteve uma decisão do Tribunal de Justiça (TJ-SP) que condenou o Estado a indenizar por danos morais e materiais as mães de dois jovens de 17 anos mortos por policiais militares em 2012. O acórdão determina o pagamento de R$ 70 mil a cada mãe e o ressarcimento de despesas com velório e sepultamento.

De acordo com o boletim de ocorrência (BO) registrado à época com base nos relatos dos policiais, os rapazes e outros dois jovens teriam praticado um roubo na região da Vila Olímpia, na Capital paulista, e fugido da Polícia Militar em um carro. Ainda conforme o BO, o veículo teria sido cercado pelos agentes, ocorrendo então uma intensa troca de tiros, sendo que vários disparos teriam atingido os adolescentes.

No entanto, a Defensoria Pública apontou uma série de inconsistências no relato. Segundo os laudos necroscópicos realizados, cada um dos jovens foi atingido por apenas dois tiros. Um deles recebeu um disparo no peito e outro na nuca, e apresentava fraturas expostas em dois dedos de uma mão, como se tivesse tentado se proteger de um tiro. O outro foi baleado com dois disparos no peito, e os projéteis fizeram uma trajetória de cima para baixo.

A perícia também encontrou no local dos fatos estojos de munição calibre .40, compatíveis com as pistolas Taurus de propriedade da PM, mas as três armas apreendidas eram de calibre .38. A Defensoria apontou que, se realmente tivesse havido intensa troca de tiros, seria possível encontrar facilmente vestígios de tiros provenientes de pistolas de calibre .38.

Outro problema apontado foi a velocidade com que a investigação sobre as mortes foi arquivada: os fatos ocorreram entre 6 e 7 de janeiro de 2012, e o inquérito foi arquivado em 20 de janeiro do mesmo ano, quando o laudo pericial sobre o local do crime não tinha sequer sido concluído. Além disso, no inquérito policial militar apenas os policiais foram ouvidos, e não os dois jovens sobreviventes.

A Defensoria Pública apontou na ação que a Constituição Federal prevê a responsabilização do Estado de forma objetiva pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, devendo indenizar as mães dos rapazes pelo sofrimento e pelos danos materiais causados. Isso significa que basta comprovar a consumação do dano, a ação do agente estatal e o vínculo causal entre evento danoso e comportamento estatal para que o Estado seja responsabilizado.

O pedido da Defensoria Pública foi negado em primeira instância, considerando que os policiais não cometeram excesso pois agiram em legítima defesa. A Defensoria então recorreu ao TJ-SP, que por unanimidade condenou o Estado ao pagamento de indenização no último dia 30/7.

As Defensoras Públicas Daniela Skromov de Albuquerque e Aline Rodrigues Penha foram as responsáveis pelo processo.