Depois de amanhã, o dia de virar a página

Sob o título “Nosso amanhã”, o artigo a seguir é de autoria de Roberto Livianu, promotor de Justiça em São Paulo, doutor em direito pela USP, idealizador e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção.

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Amanhã é dia de completar o ciclo das escolhas democráticas iniciadas três semanas atrás. Depois de selecionar novos representantes para o Poder Legislativo Estadual e Federal e parte dos governadores, elegeremos o presidente da República e mais quatorze governadores de Estado, que não alcançaram a maioria absoluta no primeiro turno.

O país espera ansioso pela definição sobre o homem que conduzirá seus destinos pelos próximos quatro anos e terá dura missão a cumprir diante de tantos problemas econômicos, políticos e sociais. Diante de tantas reformas a serem feitas, de tantas demandas a serem atendidas, de tantas necessidades a serem cuidadas.

As idiossincrasias das duas candidaturas foram intensamente enaltecidas ao longo da campanha e até a velhinha de Taubaté já sabe que Bolsonaro é o capitão reformado do Exército que aponta o torturador Ustra como herói e o armamentismo como caminho óbvio. Sabe também que Haddad é o candidato de um partido que violou a lei da ficha limpa, registrando Lula para tirar proveito de sua popularidade e ao final o substituiu pelo atual.

E sabe que o partido de Lula e Haddad está envolvido cronicamente com a corrupção e que muitos de seus quadros, como José Dirceu, Damous e Gleisi têm discurso também autoritário. Inclusive, há analistas que pensam que Bolsonaro, na prática, é produto do PT, da aversão, do ódio, do asco, gerado pelos atos de poder do partido, que incluíram o impeachment de uma Presidente.

Que não haveria nesta eleição espaço para opções moderadas, de meio termo, porque se quereria um adversário antipetista com força para derrotar o petismo, já que diante da popularidade de Lula, imaginava-se que o partido estaria no segundo turno.

As pesquisas indicam sinais de crescimento da candidatura esquerdista, mas, provavelmente, sem a consistência suficiente para reverter o resultado diante da vantagem que acumulou o candidato direitista na disputa. Entretanto, as pesquisas têm errado em larga margem em muitos casos, não detectando tendências significativas, como no caso da eleição para o Governo do Rio ou de Minas Gerais. Ou mesmo o caso da candidatura de Suplicy ao Senado em São Paulo.

O fato é o seguinte, seja nosso Presidente Bolsonaro ou Haddad, dele a sociedade espera em primeiro lugar respeito à Constituição e às regras do Estado Democrático de Direito. Que não prevaleçam as bravatas ditas em campanha, nem por um lado, quando se fala em elaborar uma nova Carta Magna sem ouvir o povo, por exemplo, nem por outro, quando se fala em criar a nova Teoria da Bipartição do Poder, transformando o Judiciário em órgão burocrático e o MP num ser inútil, sem poder de investigação.

Se for Haddad, que tenha personalidade para se impor e liderar o país acima destas idiotices, que não permita vinganças por seu líder Lula e outros quadros do partido terem sido condenados e presos. Se for Bolsonaro, que se reposicione em vários temas, começando por não aceitar a tortura como método, não permita qualquer espécie de arbítrio nem golpismo, pautando-se pelo respeito democrático e tolerância.

Que nosso novo líder tenha clareza que deverá governar para 100%, e não apenas para aqueles que nele votaram, tendo sensibilidade e respeito em relação a todos e todas, especialmente em relação às minorias, tendo como dogma sagrado o respeito à dignidade humana.

Que ele priorize o combate à corrupção, angústia número um dos brasileiros, segundo a Latinobarômetro 2017, que também detectou que para os brasileiros 97% dos políticos exercem o poder para se autobeneficiar. Que ele comande o processo de reversão deste índice.

As Novas Medidas contra a Corrupção são um excelente caminho, inclusive começaria bem dando autonomia e independência ao ministro-Chefe da CGU, conferindo-lhe mandato – deixaria de estar subordinado ao Presidente e seria grande avanço no combate à corrupção.

Oxalá seja formado um time de craques para os ministérios, escolhendo de forma meritocrática os ministros, especialmente da Educação e Saúde, já que o Brasil precisa começar sua revolução pela educação, mirando-se no exemplo da Coreia do Sul de trinta anos atrás, que era corrupta e investiu maciçamente em educação em período integral. O Brasil não suporta mais ver escolhido ministro do Trabalho condenado por violar as leis do trabalho.

Seja grandioso e sinalize claramente desde o primeiro dia que não será candidato à reeleição, diante do momento agudo que vivemos. E nesta linha proponha a limitação a dois mandatos consecutivos no Legislativo em defesa do nosso caráter republicano, para evitar o nocivo enraizamento no poder. E impulsione a reforma política e tributária, de verdade. Faça um estudo honesto sobre a situação da Previdência. Seja austero com o dinheiro público.

Tenha atitude democrática, sabendo ouvir os ‘stakeholders’ envolvidos nas mais diversas questões nacionais, não isole o Brasil no plano internacional nem o leve para uma posição mesquinha ou tacanha e no plano nacional impulsione o crescimento econômico do país, sem descuidar da nossa gigantesca desigualdade. Cuide de trabalhar para diminui-la.

Priorize as crianças, nosso futuro e proteja nosso patrimônio ambiental. Honre nosso povo e seja leal ao mandato que recebeu. Estamos com as mãos feridas e ensanguentadas, passamos por muito sofrimento e chegou a hora de virar a página. Mas ele deve saber que se não cumprir o trato, o povo imediatamente irá às ruas, talvez como nunca foi antes em nossa história.