O dia em que Stan Lee foi lido no plenário do Supremo

Renato Parente, ex-assessor-chefe de imprensa do Supremo Tribunal Federal –que cresceu lendo as aventuras do Homem-Aranha e colecionava as revistas dos super-heróis de Stan Lee–, registra no Twitter o julgamento de um processo no STF em que é mencionado o desenhista norte-americano, morto aos 95 anos em Los Angeles.

Em 11 de dezembro de 2002, o Supremo divulgou a notícia (atualizada), com o seguinte título: “STF concede extradição de ex-sócio do desenhista Stan Lee acusado de fraude em Wall Street”.

Eis a transcrição do texto do site do Supremo:

O Plenário do Supremo Tribunal Federal concedeu hoje (11/12) parcialmente a Extradição (EXT 830) do americano Peter Franklin Paul, advogado acusado de comandar um esquema de fraude com ações no mercado financeiro dos Estados Unidos, que teria causado um prejuízo de US$ 25 milhões a investidores e instituições envolvidas. Paul está preso nas dependências da Superintendência Polícia Federal, em Brasília.

O governo americano pediu sua Extradição para que respondesse aos crimes de conspiração por fraudes telegráficas e bancárias, ajuda e participação, e fraude de títulos – crimes previstos na legislação penal americana.

A Extradição foi concedida em parte porque os ministros, por maioria, entenderam que Paul não deveria responder pelo crime de conspiração apontado na ação penal que tramita no Tribunal Distrital Central da Califórnia, mas somente pelos delitos que correspondiam diretamente à fraude junto à Bolsa de Valores de Nova Iorque.

Paul teria se utilizado, em parceria com outras pessoas, de vários meios fraudulentos para inflar e manter artificialmente o preço da Stan Lee Media Stock, empresa de que foi fundador juntamente com o desenhista Stan Lee. O objetivo era obter lucro com a venda das ações com seu valor manipulado e mascarado.

No pedido, consta que os fatos ocorreram entre outubro de 1998 e dezembro de 2000, período em que Paul contratou um analista financeiro de Wall Street com a finalidade de promover a Stan Lee Media Stock para o público investidor, fazendo declarações falsas por meio de relatórios de pesquisa publicados pelo analista e de entrevistas concedidas à imprensa.

Paul alega ter se associado ao famoso cartunista Stan Lee – criador dos desenhos “Homem Aranha”, “O Incrível Hulk” e “Super-Homem” – com o objetivo de administrar os seus direitos autorais, fundando para este fim a sociedade por ações denominada Stan Lee Media, para transmitir as figuras através da internet. Porém, afirma que era um mero consultor e não o presidente do conselho administrativo da empresa, como foi dito pela acusação.

Ele sustenta, ainda, que é vítima de uma perseguição política do governo americano, tendo em vista que já manteve negócios com o ex-presidente americano Bill Clinton, principalmente durante a candidatura de sua esposa, Hillary Clinton, ao Senado.

Depois da campanha eleitoral, houve o rompimento das relações existentes entre eles, o que provocou o ajuizamento de uma ação por Peter contra o casal Clinton. Este confronto teria causado a perseguição política que alega.

O advogado do governo americano, Paulo Roberto Chaves, em sua sustentação oral, disse que o acusado já foi condenado nos Estados Unidos por quatro vezes, sendo que uma delas por porte de cocaína, e que criou 12 empresas fantasmas para simular movimentos de compra e venda das ações da Stan Lee Media, para demonstrar que eram ações realmente sólidas.

Pelo extraditando falou o advogado Nélio Roberto Machado, que rebateu as acusações e ressaltou que nos Estados Unidos também existem ilegalidades, abusos de poder e perseguições políticas, não sendo estas práticas restritas aos países sul-americanos, como se faz crer muitas vezes. “Tudo o que os EUA fazem é correto”, ironizou.

A ministra-relatora, Ellen Gracie, afastou a existência de perseguição política, pois os crimes cometidos referiam-se a fraudes com o objetivo de lucro, não tendo a intenção de desestruturar as instituições públicas e a ordem social do Estado.

O Tratado de Extradição assinado entre os Estados Unidos e o Brasil – lembrou a ministra – determina que os crimes de que é acusado devem ter correspondência com crimes definidos na legislação brasileira.

Gracie sustentou que, neste sentido, a acusação de fraude de títulos guarda relação com o crime de fraude sobre condições econômicas de sociedades por ações. Já o crime de conspiração de que é acusado em Nova Iorque tem semelhança com o crime de formação de quadrilha descrito no Código Penal brasileiro, pois estavam envolvidas mais de três pessoas com a intenção de fraudar. Os crimes de emissão de cheques sem fundos, fraudes bancárias e comunicações enganosas foram caracterizados, comparando-se com a legislação brasileira, como crime de estelionato.

No entanto, quanto à segunda acusação de conspiração proveniente do estado da Califórnia, a relatora entendeu que não preenchia as características do crime de formação de quadrilha, já que apenas três eram os réus. Assim, ela concedeu a Extradição apenas quanto aos outros crimes, afastando a acusação de conspiração oriunda da Califórnia. Os demais ministros seguiram a relatora.

O ministro Celso de Mello, em seu voto, questionou a forma como o governo americano obteve algumas provas utilizadas no processo de Extradição. Segundo a defesa de Peter Paul, teria havido um compromisso das autoridades policiais americanas de não utilizar contra ele as provas decorrentes de declarações prestadas nas dependências da Polícia Federal.

Segundo Mello, “a essencialidade da cooperação internacional na repressão aos delitos comuns, em contraposição aos crimes de natureza política, não importa se de caráter transnacional ou não, não exonera o Estado brasileiro e, em particular, o STF de velar pelo respeito aos direitos fundamentais do súdito estrangeiro, que venha a sofre em nosso país, processo extradicional. O fato de um estrangeiro ostentar a condição jurídica de extraditando não basta parta reduzi-lo a um estado de submissão incompatível com a essencial dignidade que lhe é inerente como pessoa, e que lhe confere a titularidade de certos direitos fundamentais, como a garantia do devido processo legal”.

E conclui: “em termos de direito extradicional, o STF não pode e não deve revelar indiferença diante de transgressões ao regime das garantias processuais fundamentais. No caso, entendo que a utilização indevida, porque não autorizada pelo próprio extraditando, de declarações que fez no cárcere, no Brasil, a policiais federais americanos, viola os direitos do extraditando”. Ele seguiu o voto da relatora, mas recusou a Extradição quanto à acusação proveniente da Califórnia.