Saiba quanto custou a caravana de Toffoli à Argentina e o que foi discutido

O Supremo Tribunal Federal pagou o total de R$ 32,6 mil em diárias aos seis juízes auxiliares e assessores que acompanharam o ministro Dias Toffoli durante um final de semana na Argentina.

Eles viajaram a Buenos Aires para participar do 1º Encontro Internacional da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), entre 22 e 25 de novembro.

A equipe de Toffoli foi transportada em avião da Força Aérea Brasileira. Como este Blog registrou, a equipe continuou a receber normalmente os vencimentos no período.

O cidadão brasileiro –quem paga as viagens de magistrados e assessores com recursos públicos– não foi suficientemente informado para avaliar a importância dessas despesas.

Juízes brasileiros e argentinos discutiram uma agenda comum para combater o crime organizado, compartilhando investigações a partir do próximo governo e das prioridades do futuro ministro da Justiça, Sergio Moro.

Até o início das atividades na Argentina, a Ajufe fez uma divulgação discreta do encontro, apenas na rede interna da entidade.

No dia 24 de novembro, a associação noticiou em seu site que o encontro contou com “uma programação científica em parceria com a Ajufe argentina”, quando “os mais de 300 magistrados que participaram do evento puderam acompanhar a palestra de Toffoli”.

Os participantes assistiram a painéis sobre o funcionamento da Associação dos Juízes Federais na Argentina e os objetivos da entidade. Durante o evento, a Ajufe assinou um “acordo de cooperação acadêmica“.

Os ministros Humberto Martins, corregedor nacional de Justiça, e Raul Araújo, corregedor-geral da Justiça Federal, viajaram com despesas pagas pela Ajufe.

Os juízes associados desembolsaram os seus gastos. O TRF-1 cobrou dos juízes relatórios sobre os estudos e certificados de participação que não foram distribuídos pela Ajufe, pois não houve cursos.

Igualmente, o site do STF foi vago sobre o encontro para tratar “de temas como a cooperação jurídica no Mercosul e comparação das legislações de ambos os países”.

Segundo o noticiário oficial, Toffoli ressaltou que “o Supremo Tribunal Federal tem desempenhado papel fundamental nesse processo contínuo de construção da nossa democracia, moderando os conflitos, corrigindo eventuais desvios democráticos e impedindo que contrariedades políticas conjunturais levem à ruptura do regime constitucional no Brasil”.

Aparentemente, nada mais relevante foi noticiado.

Combate a crimes transnacionais

A Rádio França Internacional (RFI) ofereceu aos ouvintes mais detalhes sobre o encontro em que magistrados brasileiros e argentinos “analisaram a cooperação jurídica internacional como forma de combater os crimes transnacionais”. [veja aqui]

Souberam, por exemplo, que estava em Buenos Aires a juíza Gabriela Hardt, substituta do ex-juiz Sergio Moro, exonerado e “em plena formação do seu gabinete como futuro ministro da Justiça”.

Segundo relato do jornalista Márcio Resende, da RFI, “no âmbito bilateral, a Lava Jato, com as suas ramificações pelos países da região, atinge a Argentina que ainda aguarda a chegada ao país das delações da Odebrecht”.

“Por outro lado, o caso argentino dos Cadernos da Corrupção, uma espécie de Lava Jato argentina, também envolve empreiteiras brasileiras. E agora pode haver um novo elemento: traficantes brasileiros começam a cruzar a fronteira argentina”.

Ainda no relato de Resende, “quem antes era juiz e será ministro da Justiça, Sergio Moro, já avisou que vai atrás do crime organizado, um crime também transnacional”.

Em entrevista à RFI, o presidente da Ajufe, Fernando Mendes, afirmou:

“Precisamos ter, dentro do modelo de persecução criminal, mecanismos próprios para perseguir ou para buscar o caminho do dinheiro. Toda a criminalidade organizada, seja de corrupção, contrabando, tráfico de drogas ou tráfico de armamentos, está baseada num sistema de troca de valores de dinheiro através do sistema interbancário transnacional. O que podemos buscar nesse diálogo com os argentinos é um conhecimento dos nossos sistemas jurídicos para que eles possam ser aperfeiçoados e compatibilizados para que as investigações possam ser compartilhadas, importante para a punição da atividade criminosa”.

A RFI registra que a lei da “colaboração premiada” brasileira de 2013, popularmente conhecida como “delação premiada”, inspirou em 2016 na Argentina a figura do “imputado colaborador”, popularmente conhecido como “arrepentido”.

“Embora eu não possa desde logo antecipar, esse processo é um caminho de mão-dupla. Assim como as nossas experiências podem servir para os colegas argentinos, as deles também podem nos ajudar no nosso aperfeiçoamento legal”, afirmou Mendes.

Ainda segundo a RFI, se o próximo governo brasileiro realmente combater o crime organizado, pode haver um efeito de fuga de criminosos do Brasil para a Argentina.

“A partir do momento em que um país como o Brasil estabelece uma agenda prioritária contra o crime organizado, a criminalidade vai ter que se organizar de maneira a tentar fugir do sistema de controle mais rígido. Numa região como a que temos aqui na Tríplice Fronteira (Brasil, Argentina e Paraguai), isso é muito sensível pela proximidade e pela facilidade de se cruzar uma rua para fugir não só da Justiça, mas das Polícias”, afirmou o presidente da Ajufe à RFI.

Lava Jato inspirou associação argentina

Como este Blog registrou, a criação da “Ajufe argentina”, em maio de 2017, foi inspirada na Lava Jato. Naquela assembleia, foi registrada a proposta de fomentar convênio com a “Ajufe Brasil”.

A ideia de uma Lava Jato argentina tinha dupla motivação: elaborar leis similares às do Brasil, incluindo a delação premiada e outras ferramentas para combater a corrupção, e fazer frente a pressões do poder político sobre a magistratura.

Na época, o site Urgente24 registrou:

Los jueces federales concretaron (…) una impactante movida sin precedentes, con el lanzamiento de la Asociación de Jueces Federales (Ajufe, que emula a la brasileña Associação dos Juízes Federais do Brasil) para “defenderse” del poder político, que incluye la amenaza de lanzar un Lava Jato argentino y exigir al menos tres lugares en el Consejo de la Magistratura.

Los jueces planean una estrategia para evitar las presiones del poder político: una de ellas es que se sancione un paquete de leyes similares a las de Brasil, incluyendo la ley del arrepentido, que les dé herramientas para combatir en serio la corrupción.