O ministro da Justiça e o futuro da causa indígena
O artigo a seguir sobre as expectativas em torno da gestão do ex-juiz federal Sergio Moro no Ministério da Justiça é de autoria de Ana Lúcia Amaral, procuradora regional da República aposentada.
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Cogitando das possíveis razões que levaram o ex-juiz federal Sergio Moro a se exonerar da Magistratura Federal, a que me parecia mais forte seria a antevisão da possibilidade das cortes superiores, em especial o Supremo Tribunal Federal, desmontarem, destruírem a Operação Lava Jato.
A horrorosa decisão, em sede liminar, do ministro Marco Aurélio Mello, no início do recesso forense, para soltar todos os que se encontravam presos por força de decisão de órgão colegiado, confirmatória de condenação de primeiro grau, foi apenas uma amostra.
Em que pese o pleno do STF ter decidido, ainda que por estreita maioria, pela constitucionalidade do início da execução da pena após confirmação de sentença condenatória em segunda instância, o fato é que ainda vigora esse entendimento majoritário do colegiado.
É a regra para órgãos jurisdicionais: a decisão do colegiado sobrepõe-se ao entendimento monocrático.
Mas muitos ministros do STF acreditam-se supremos em tudo. Por tal razão, o país tem tão vergonhoso grau de impunidade. A disfuncionalidade do Poder Judiciário mostra-se de forma assustadora.
Por outro lado, a forma como estruturado o Poder Judiciário no Brasil, em diferentes instâncias, pode fazer com que um juiz permaneça na mesma instância por décadas, pois a movimentação pode ser bem lenta.
Depois da PEC da Bengala, que aumentou para 75 anos a idade para aposentadoria de magistrados, a renovação, a movimentação pelos graus da carreira tornou-se por demais lenta. Bem possivelmente, ainda muito demoraria para Sergio Moro ser promovido para o TRF-4. Se pensarmos no STJ, o funil é desestimulante. Tudo isso sem contar a dependência de indicações políticas para a movimentação na carreira…
Portanto, sem conhecer as reais razões para Sergio Moro aceitar assumir a pasta da Justiça, no futuro governo de Jair Bolsonaro, entendi que fez bem. Entretanto, sempre há um porém: do que é noticiado a respeito do governo de transição, no nível federal, a fala de muitos dos futuros titulares dos diversos ministérios, e do próprio presidente eleito, fico a pensar até que ponto é só ignorância, ou há também uma boa dose de maldade e/ou má-fé?
Teria sido escolhido Sergio Moro, para o cargo de ministro da Justiça, por causa de seu prestígio, merecido pelo trabalho consistente e corajoso que desenvolveu à frente da 13ª Vara Federal de Curitiba, onde se concentra a maior parte das ações decorrentes da Operação Lava Jato?
Veio ele só para emprestar seu conhecimento, o seu currículo, o respeito da maior parte da população ao futuro governo, que tomou como principal bandeira durante a campanha à presidência da República o combate à corrupção? E ficaria somente na exploração daquele prestígio, ou dará mesmo carta branca para que o futuro ministro da Justiça tome todas as iniciativas voltadas ao aprimoramento dos mecanismos de prevenção e combate à corrupção, em especial a que atacou a estrutura da administração pública?
Ainda que pareça que um super ministério será organizado, na medida em que outros órgãos importantes foram levados para a estrutura do ministério da Justiça, causou-me enorme temor a retirada da Funai do campo de ação daquela pasta, vale dizer, da questão indígena, tradicionalmente afeta ao MJ.
Diante das declarações assustadoras do presidente eleito e da ministra da pasta à qual ficará submetida a Funai e sua problemática causa indígena, fico a cogitar qual seria a postura do futuro ministro da Justiça, diante de um Presidente da República que acredita que possa revisar, e ponto final, a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol em Roraima, e que entende que nas reservas indígenas as populações fiquem presas como animais em zoológico?
Sei que a causa indígena saiu das atribuições do ministro da Justiça.
Se eventuais ações políticas-administrativas forem prejudiciais a certas minorias, ou a certos direitos sociais, ainda que emanados de outros ministérios, o ministro da Justiça simplesmente viraria o rosto para outo lado, vez que o assunto não é de sua atribuição?
Ouvir o presidente da República, que o escolheu para a função, fazer tais declarações que sugerem a criação de problemas graves e desnecessários na quadra atual da vida do País, se não estiverem diretamente, intrinsecamente vinculadas à sua pasta ministerial, poderia simplesmente virar o rosto para o outro lado?
Muitas dessas declarações, se convertidas em ações, poderão causar lesões a direitos até então consagrados na ordem jurídica nacional, e teriam como alvo preferencial populações mais vulneráveis.
Ao fim e ao cabo, todas as ações governamentais atingem a vida das pessoas, umas mais do que às outras, e de forma mais severa aos mais vulneráveis, cabendo a qualquer agente político zelar por sua proteção e respeito.
Sergio Moro não é só um técnico do direito, ele pode e deve ser um agente de transformações benéficas para a maior parte da sociedade brasileira.
Não sei como as matérias de sua atribuições poderão ficar totalmente imunes às ações de outras pastas e agentes públicos, seja do Poder Executivo, do Legislativo e sobretudo do Poder Judiciário.
Assistiremos em breve se há, efetivamente, um movimento nacional apoiado pelo governo federal pela implantação da legalidade, moralidade, e transparência em todo e qualquer ambiente público. E nesse movimento, prestaremos atenção, necessariamente, em Sergio Moro.
Rogo a Deus por seu êxito, que será de todo cidadão brasileiro.