Sergio Moro no ministério da Justiça preocupa magistrado

Sob o título “A Justiça e seus destinos”, o artigo a seguir é de autoria de Alfredo Attié, presidente da Academia Paulista de Direito e desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.

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Ao se abrir a página do Ministério da Justiça, descobre-se a imagem do primeiro Imperador do Brasil, que teria criado a Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça, em 3 de julho de 1822, assim, a poucos meses da proclamação da independência do País.

Já a sua sede, o Palácio da Justiça, desenhado por Oscar Niemeyer, foi inaugurada, em Brasília, 150 anos depois, durante o regime de exceção, ditadura civil-militar iniciada em 1964.

Quis o destino que, ao cabo da comemoração dos trinta anos de promulgação de nossa Constituição, que marcou o início de uma nova era republicana, o Brasil passasse a ser governado por um político que expressa admiração pelo período ditatorial, fato em si preocupante, uma vez que, nos quase cento e trinta anos passados desde a Proclamação da República, vivemos muitos intervalos ditatoriais – períodos que, na boa tradição da ciência política, não podem ser chamados de propriamente de republicanos.

A chegada do ex-juiz Sergio Moro a titular da Pasta da Justiça, numa migração das estruturas de investigação da chamada Operação Lava Jato, de uma Vara especializada para o Ministério, também preocupa.

O Ministério da Justiça não se resume a coordenar o trabalho da Polícia Federal, nem se define por ser a Chefia desse órgão – como se se tratasse de um FBI verde e amarelo. Possui em sua estrutura inúmeras funções, que correspondem ao exercício e à coordenação de políticas públicas voltadas à promoção da Justiça, à elaboração legislativa, e ao controle da legalidade dos atos normativos emanados da Presidência da República. Deve agir sob a égide dos três pilares de nossa ordem constitucional: Estado de Direito (Rule of Law), Democracia e Direitos Humanos.

A pergunta que se deve fazer é em que medida a visão e a experiência do ex-juiz influenciarão as demais áreas de atuação do Ministério, que não correspondem à sua especialidade.

Como coadunar, enfim, a visão de uma política de combate à corrupção – em si um direito fundamental, mas que deve ser feita respeitando outros direitos fundamentais, portanto sob a tutela estrita da Constituição – com as políticas relativas a migrações e refúgio, de proteção de minorias, assim de indígenas e suas terras, de quilombolas e suas formas de propriedade, de negros, das comunidades LGBTI+, dos portadores de deficiência, dos idosos e jovens, com a defesa dos consumidores, com a preservação da memória nacional, por meio de seu Arquivo, com as políticas relativas às drogas, com a defesa da ordem econômica, por meio de seu Conselho.

As escolhas de equipe e as poucas manifestações do ministro nomeado não permitem que se vislumbre esse modo de coordenação.

Pelo contrário, apontam uma subordinação dessas políticas prestigiadas pela Constituição, porque finalidades do Estado brasileiro, a uma busca de implantação de estruturas de fiscalização da política, pelo viés muito específico de uma visão de corrupção.

Preocupa porque tal visão guarda, até aqui, raiz no caráter punitivo de atividades policiais e judiciais, e não na implementação de políticas que façam desaparecer estruturas sócio-políticas tradicionais, que promovam a capacidade da sociedade (pela soberania popular e não pela tutela popular) de participação e controle do espaço da política.

Ao se acentuar essa concepção específica de combate à corrupção, volta-se os olhos para trás, criminalizando a mais importante atividade de desenvolvimento e de integração da sociedade com o Estado, que é a política.

O ministério deveria promover a Justiça e voltar seus olhos para as grandes transformações que ocorrem em nosso tempo, sobretudo as que demonstram o desejo dos povos em aprofundar as raízes da democracia.