Wálter Maierovitch defendeu em 1991 o acordo penal proposto por Sergio Moro

O desembargador aposentado Wálter Fanganiello Maierovitch, do Tribunal de Justiça de São Paulo, escreveu em 1991 o artigo Apontamentos sobre Política Criminal e a ‘Plea Bargaining'”, considerado uma análise pioneira sobre o instituto defendido pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.(*)

O jurista é presidente do Instituto Brasileiro Giovanni Falcone de Ciências Criminais, entidade que fundou em 1993.

Ele é favorável à “plea bargaining” e avalia as dificuldades constitucionais para sua implantação no Brasil. Maierovitch estudou a fundo a barganha quando a Itália começou a discutir o ‘patteggiamento’ [simplificação do rito processual].

À época juiz direito e professor de Direito Processual Penal e Penitenciário, Maierovitch enviou o artigo ao Senado Federal. Sua avaliação foi reproduzida em publicações do tribunal paulista e em revistas especializadas.

“É animador saber que Sergio Moro tem como modelo o magistrado italiano Giovanni Falcone, dinamitado pela Cosa Nostra siciliana em 23 de maio de 1992, depois de um exitoso trabalho de repressão à criminalidade organizada de matriz mafiosa”, diz Maierovitch.

“Ao priorizar o desfalque à economia movimentada pelas máfias, a cooperação internacional, o uso de instrumentos como a delação premiada, a infiltração policial financeira, as escutas (ambiental e telefônica) e um sistema penitenciário diferenciado, Falcone criou um método de sucesso, adotado também nos Estados Unidos”, diz o desembargador.

Maierovitch trabalhou com Falcone no caso Tommaso Buscetta (ex-chefe da máfia siciliana que foi preso no Brasil e colaborou com a Justiça italiana). Por sua atuação na luta antimáfia, o desembargador recebeu o título de Cavaliere della Repubblica Italiana, outorgado por Oscar Luigi Scalfari, presidente da Itália (1992-1999).

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A seguir, trechos do artigo de Maierovitch:

“O instituto da ‘plea bargaining’ encontra justificação à luz da política criminal. Razões de política criminal geraram a adoção, pelo ordenamento jurídico norte-americano, do supracitado instituto, que é conhecido também por ‘plea negotiation’.

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A deficiente política criminal compromete a segurança social. Mal planejada, acaba, até, inviabilizando a resposta penal do Estado. Tudo, passando, por vezes, pelos indesejados conflitos entre o legal e o justo.

(…)

“A ‘plea bargaining, embora poucos saibam, foi utilizada no caso de James Earl Ray, assassino do pranteado Martin Luther King”. (…) “O acidente de Chappaquiddick que envolveu o senador Edward Kennedy mereceu solução por meio da ‘bargaing’. [Os dois casos, anotou, “valem como exceções que terão na sua base a sobreposição de interesses políticos ao interesse do esclarecimento cabal dos fatos”].

(…)

“Para os seus defensores, a ‘plea bargaining’ visa, fundamentalmente, à punição, ainda que branda e socialmente injusta. É justificada como poderoso ‘remédio contra a impunidade’, diante do elevado número de crimes a exigir colheita de prova induvidosa da autoria, com a consequente pletora de feitos e insuportável carga de trabalho judiciário”.

(…)

“Os resultados estatísticos e as justificativas enumeradas pelos defensores do instituto não contrariam a vetusta observação do precursor do direito penal moderno: um dos maiores freios inibidores dos delitos é a infalibidade da pena”.

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Os benefícios contemplados no ‘plea bargaining’ (…) merecem consideração à luz do denominado ‘direito premial’.

(…)

“Entre nós, eventual adoção, por lei ordinária, do modelo norte-americano esbarra em obstáculos constitucionais, sem contar a descaracterização da natureza retributiva da pena e o desrespeito às vítimas pela falta de ajuizamento da ação penal. No direito norte-americano vigora o princípio da oportunidade da ação; o ‘prosecutor’ detém poder discricionário, podendo deixar de aforar ação penal. Ao contrário, no Brasil vigora o princípio da legalidade, sendo imperativo constitucional (artigo 5º, incisos XXXV e LIX), obrigatória a propositura da ação penal pública”.

(…)

“Nossa jurisdição penal é sempre contenciosa, sendo vedada a imposição de pena sem o devido processo (‘nulla poena sine iudicio). Tal fato levou a professora Ada Pellegrini Grinover a afirmar que, no nosso ordenamento jurídico, não há lugar para a ‘bargaining’.

“O nosso país, dada a escalada da criminalidade e a propalada impunidade, carece implantar, ‘rapidamente’, uma nova ‘política criminal'”, conclui Maierovitch.

(*) http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/175928/000461964.pdf?sequence=1