Crimes ambientais em Minas Gerais, deslizes e puxadinhos burocráticos

De José Adércio Leite Sampaio, procurador regional da República, coordenador da força-tarefa Rio Doce do MPF, em artigo na Folha, nesta segunda-feira (28), sob o título “De Mariana a Brumadinho: rio de descaso e insegurança”:

“O Estado confia piamente na integridade da raposa diante de um galinheiro de lucros”.

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“Em Minas Gerais, havia dois técnicos do DNPM para fiscalizar anualmente mais de três centenas de estruturas. E sem formação para isso, o que é estarrecedor. O TCU e o MPF alertaram o governo federal sobre essa precariedade, mas a confiança cega perdurou até que o rio Doce e as comunidades que vivem dele (e nele) sofressem a maior tragédia socioambiental do País e uma das maiores do mundo”.

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“Ainda é cedo para dizer se a Vale S.A. cometera os mesmos deslizes de sua ‘joint-venture’, a Samarco, mas pode-se afirmar que, desde 2015, nada mudou na Política Nacional de Segurança de Barragens, exceto em puxadinhos burocráticos”.

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“O galinheiro ampliou seus atrativos, ainda mais depois do aumento do minério de ferro –como de outros minerais não ferrosos. Não há raposa que não se sinta tentada a remexê-lo”.

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Do procurador da República Vladimir Aras, em sua página no Facebook:

“No caso do rompimento da Barragem do Fundão (Mariana), o MPF que atua perante a Vara Federal de Ponte Nova propôs denúncia contra várias pessoas ligadas à Vale e à BHP, acionistas da mineradora Samarco.

Tais indivíduos foram acusados pela prática de 19 homicídios triplamente qualificados; três lesões corporais graves; inundação; e crimes ambientais contra a fauna e a flora.

Para arrematar a imputação, o MPF em Minas Gerais invocou os arts. 13, § 2°, alínea “a” (crimes comissivos por omissão), 18, I (crimes dolosos) e art. 70 (concurso formal), do Código Penal.

Em 9/10/2018, a 4ª Turma do TRF-1 julgou dois HCs do caso Samarco. Tal Turma é formada pelos desembargadores Olindo Menezes (relator), Cândido Ribeiro e Néviton Guedes.

1. O HC 0070468-62.2016.4.01.0000/MG foi impetrado em favor de José Carlos Martins, executivo da Vale. O parecer da PRR-1, órgão do MPF perante o TRF, foi pela denegação da ordem. Mesmo assim, a ação penal contra esse réu foi trancada, porque ele deixara o conselho de administração da Samarco antes do acidente. Nesse HC não houve recurso do MPF.

“Em face do exposto — falta de justa causa para a ação penal (art. 5º, LXVIII – CF e art.648, I – CPP) —, concedo a ordem de habeas corpus e determino o trancamento da Ação Penal 0002725-15.2016.4.01.3822, proposta contra o paciente José Carlos Martins na Vara Federal de Ponte Nova/MG.” (Voto do relator).

2. O HC 0010679-98.2017.4.01.0000/MG foi impetrado em favor do executivo da BHP André Ferreira Gavinho Cardoso. Apesar do parecer contrário da PRR-1, que é o órgão do MPF perante o TRF, a acusação foi reduzida para inundação com resultado morte, excluída a imputação por 19 homicídios triplamente qualificados e 3 lesões corporais de natureza grave. Nesse HC houve embargos da PRR-1.

“Em face do exposto — falta parcial de justa causa para a ação penal (art. 5º, LXVIII – CF e art. 648, I – CPP) —, concedo a ordem de habeas corpus e determino o trancamento da Ação Penal 0002725-15.2016.4.01.3822, proposta contra o paciente André Ferreira Gavinho Cardoso na Vara Federal de Ponte Nova/MG, em relação aos 19 (dezenove) crimes de homicídio (triplamente qualificados) e às 3 (três) lesões corporais graves.

A (re) definição da conduta pelo padrão do art. 258 do Código Penal, se assim for entendido, poderá ser feita nos termos do art. 383 do Código de Processo Penal.” (Voto do relator).

3. No HC 1033377-47.2018.4.01.0000/MG, ainda não julgado pelo TRF-1, os pacientes Guilherme Campos Ferreira e Sérgio Consoli Fernandes pedem extensão do HC que trancou as acusações por homicídio e lesões graves. O parecer da PRR-1 é a favor da extensão.

Resultado até aqui: um dos réus escapou de todas as acusações, e os outros livraram-se dos crimes mais graves e não devem ser julgados pelo júri, salvo se o acórdão for revertido no STJ.

A história processual do caso Samarco, de 2015, ainda não terminou e deve ser longa. Os crimes de Brumadinho, de 2019, seguirão a mesma sina?”