Procurador previu há dois anos insucesso de delações da Odebrecht
Exatamente há dois anos, completados nesta quarta-feira (30), houve a divulgação das delações da Odebrecht, homologadas pela ministra Cármen Lúcia, então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF).
Na ocasião, a chamada “delação do fim do mundo” anunciada na gestão do procurador-geral Rodrigo Janot foi alvo de alerta do procurador da República Celso Antonio Três, que atuou nas investigações do caso Banestado, a megalavagem de dinheiro no Paraná.
“Foi uma bomba que transtornou o país. Tivemos 415 autoridades delatadas, fora agentes privados, empresários, doleiros, laranjas e carregadores de mala. À época, previ que a estrondosa divulgação resultaria em poucas ações penais”, diz o procurador.
Três viu as suas previsões confirmadas com a reportagem dos jornalistas Reynaldo Turollo Jr. e Camila Mattoso, da Folha, revelando que o STF já arquivou ou baixou para a primeira instância mais da metade dos inquéritos abertos com base na delação da Odebrecht.
Segundo a reportagem, de 83 inquéritos analisados pela Folha decorrentes da delação da empreiteira, 49 (ou 59% do total) não estão mais no Supremo: 22 foram arquivados, a maioria por falta de provas, e 27 desceram para o primeiro grau, a maior parte para a Justiça Eleitoral, e não criminal.
Das 22 investigações da Odebrecht que o Supremo arquivou, ao menos 13 não encontraram provas que corroborassem os relatos dos delatores, segundo o entendimento dos ministros.
Os dois repórteres revelaram que “a Polícia Federal já antevia que parte da delação da Odebrecht naufragaria”. “Investigadores que cuidavam do caso no início consideravam que os primeiros depoimentos traziam mudanças de versões, o que mostrava, segundo eles, fragilidade no processo de colaboração premiada”.
Em entrevista que concedeu à Folha em março de 2017, ou seja, logo após a divulgação da homologação, Três afirmou que era “demagogia” invocar o interesse público para divulgar as delações da Lava Jato.
Segundo ele, a divulgação “derrete o mundo político, o Estado, dilapida a economia, os investimentos e os empregos”.
O procurador fez, na ocasião, a seguinte avaliação sobre o acordo de colaboração com a Odebrecht:
“Toda delação traz só duas certezas. Delator é criminoso confesso. Este delinquente não será punido, eis que anistiado -ou sob pífias penas- pelo Ministério Público. Condenação do delatado depende da prova de corroboração”.
“Apenas o futuro dirá se elas [as provas] foram ou não obtidas. Até agora, no STF, vencidos dois anos, há apenas seis réus. O ex-procurador-geral Roberto Gurgel disse que expandir a investigação a 77 delatores compromete sua finalização. Alguém acredita que a Odebrecht tenha 77 corruptores? São, na verdade, cumpridores das ordens de Marcelo [Odebrecht]”.
Três foi filiado ao PT nos anos 80. Ao assumir função pública, afastou-se da sigla, da qual foi alvo de representações por investigações que realizou.
Era procurador da República em Cascavel, no Paraná, quando a força-tarefa do Banestado desenvolvia as investigações em Foz do Iguaçu.
Três recebeu uma notícia criminal relativa a uma casa de câmbio e investigou os milhares de depósitos em contas de laranjas, enquanto a força-tarefa optou por identificar os bancos e casas de câmbio envolvidas e denunciar os dirigentes.
Suas críticas sobre a Lava Jato foram recebidas com reservas por membros da força-tarefa, o que foi reforçado com a publicação e distribuição no Senado –com o apoio do senador Roberto Requião (MDB-PR) — de documento de sua autoria com críticas às “10 Medidas Contra a Corrupção”, defendidas pelo então juiz federal Sergio Moro e pela força-tarefa de Curitiba.
Mas Celso Três, que atua em Novo Hamburgo (RS), não minimiza a importância da Lava Jato. Disse há dois anos que a operação “é a maior investigação da história”.
“Depois dela, tudo será pequeno. ”