Juiz Fausto De Sanctis vê exagero nas medidas de legítima defesa para policiais
O juiz federal Fausto De Sanctis, membro do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, elogia o projeto de lei anticrime apresentado pelo ministro Sergio Moro, mas vê excessos nas medidas relacionadas à legítima defesa a agentes policiais.
“Constar como causas ‘escusável medo’ ou mesmo ‘surpresa’, parece um exagero do projeto”, diz.
“A hipótese de legítima defesa para o policial em conflito armado ou em risco iminente de conflito armado já abarcaria, salvo engano, a situação que se deseja proteger (“medo, surpresa ou violenta emoção”) e está bem colocada no artigo 25, § único, do Código Penal a ser alterado (Projeto)”, afirma o magistrado.
O juiz considera o projeto de Moro “um documento preciso, necessário e técnico, o que é raro”.
De Sanctis compôs, junto com Moro e outros juízes federais, o primeiro grupo de magistrados especializados em lavagem de dinheiro. Atuou durante vários anos em processos envolvendo crimes financeiros e lavagem de dinheiro.
Trechos da avaliação de De Sanctis foram mencionados em análise do editor deste Blog publicada nesta quarta-feira (6) na Folha. [veja aqui]
A análise observa que a reforma do instituto da legítima defesa “é o item que mais aproxima o pacote anticrime do discurso do presidente Jair Bolsonaro”.
Abaixo, a íntegra da manifestação do magistrado.
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Inicialmente, verifica-se que o projeto é abrangente, claro, objetivo e bem efetivo. É com satisfação que se observa um documento preciso, necessário e técnico, o que é raro.
Vou pontuar algo que ainda não foi possível observar nos comentários ao projeto.
1. Bastante positivo é permitir o parcelamento da multa (artigo 50 do Código Penal a ser alterado). Muitas vezes, as penas pecuniárias ou de prestação pecuniárias são reduzidas sensivelmente diante da alegada incapacidade de pagamento.
Também interessante foi realçar a soberania do Júri, medidas para endurecimento do cumprimento de penas a reincidentes e ao crime organizado, com vedação, por exemplo de saídas temporárias, regime fechado e progressão vedada enquanto existente o vínculo associativo, bem ainda o próprio conceito de crime organizado abarcando as organizações criminosas já conhecidas.
No mesmo sentido, o aumento de penas para os casos de corrupção, a alteração das causas de suspensão e interrupção da prescrição, o estabelecimento do “Banco Nacional de Perfil Genético” (evitando erros judiciários) e o regime jurídico dos presídios federal (tecendo maior controle sobre as comunicações entre o preso e o mundo exterior, o que constitui a grande fragilidade do sistema atual).
2. Com relação às medidas relacionadas à legítima defesa, nas hipóteses de excesso doloso ou culposo (artigo 23, §§1º e 2º, do Código Penal a ser alterado), o projeto permite ao juiz “reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção.” O intento seria aclarar situações-limites em que agentes policiais são eventualmente responsabilizados pelo cumprimento do dever em conflitos armados.
Aqui, s.m.j., dever-se-ia o projeto abraçar categoricamente a “legítima defesa putativa”, aquela em que o agente imagina estar em legítima defesa, reagindo contra uma agressão inexistente (incorre em erro de proibição indireto) ou a “legítima defesa subjetiva”, aquela em que, diante das circunstâncias da situação, o agente agiria com justificável excesso (causa até então supralegal de inexigibilidade de conduta diversa).
Constar como causas “escusável medo” ou mesmo “surpresa”, parece um exagero do projeto. A hipótese de legítima defesa para o policial em conflito armado ou em risco iminente de conflito armado já abarcaria, salvo engano, a situação que se deseja proteger (“medo, surpresa ou violenta emoção”) e está bem colocada no artigo 25, § único, do Código Penal a ser alterado (Projeto).
3. Com relação o perdimento do produto do crime, interessante a perda da diferença entre o valor do patrimônio e o que seja o rendimento lícito (artigo 91-A do Código Penal a ser alterado), atendendo pois convenções internacionais, notadamente da ONU contra o crime organizado transnacional, mas, no que tange aos bens de valor cultural apenas permitiu e não determinou que eles fossem destinados a museus, quando não tiverem vítima determinada (apesar das convenções internacionais a respeito assim determinarem) (artigo 124-A do Código Penal a ser alterado).
4. Com relação ao “Acordo de Não Persecução Penal”, o projeto foi bastante feliz em abraçá-lo e determinar que o juiz em audiência de homologação verifique sua legalidade e voluntariedade (artigo 28-A do Código Penal a ser alterado), leia-se, a proporcionalidade da medida imposta, algo que assim já ocorre nos EUA, inclusive com relação à Delação Premiada e Acordos de Leniência, que deveriam ser contemplados no projeto e não o foram, infelizmente.
Cabe sempre ao Poder Judiciário, com direito a recurso, verificar a proporcionalidade entre o delito cometido e a sanção a ser imposta, não se podendo deixar tal tarefa a cargo do Ministério Público.