Assédio de juiz e presunção de indecência
Por maioria de votos, o Conselho Nacional de Justiça abriu Processo Administrativo Disciplinar (PAD) e afastou o magistrado Glicério de Angiólis Silva, acusado de assédio sexual e moral nas comarcas de Miracema e Laje de Muriaé, interior do Rio de Janeiro.
O juiz era alvo de 10 acusações, entre elas, falta de urbanidade com advogados e servidores, remoção irregular de servidores, além de assédio sexual contra duas estagiárias.
Segundo informa o CNJ, “apesar de ter sido observada, pela corregedoria local, a conduta irregular do juiz, o pedido de abertura de procedimento disciplinar foi arquivado pelo Órgão Especial [do TJ-RJ] por 14 votos a 10 sob o argumento de que as reclamações foram motivadas pelo eficiente trabalho promovido por ele em ambas as unidades judiciais”.
O Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro recorreu então ao CNJ, que determinou, em sessão virtual, em 2016, a instauração de revisão disciplinar contra Glicério de Angiólis Silva.
Em geral, as mulheres vítimas de assédio no local de trabalho sofrem um doloroso e prolongado desgaste emocional.
O constrangimento tem início nas abordagens e investidas, culmina com a interrupção da carreira –por decisão própria ou por arbitrariedade do chefe.
A decisão de denunciar exige coragem, inclusive para enfrentar eventual risco de reversão, a suspeita de que a vítima pode ter consentido ou estimulado o assédio.
Finalmente, quando uma denúncia procedente não tem consequências, sobra a frustração permanente das vítimas.
Essas circunstâncias se agravam se o suspeito é um magistrado que comete abuso de poder. Igualmente, decidir nesses casos é um desafio maior para os corregedores, para evitar injustiças.
O afastamento do juiz Glicério de Angiólis Silva, determinado na última terça-feira (5), merece uma releitura dos procedimentos administrativos e a reprodução de trechos de votos dos conselheiros.
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Cronologia dos fatos
- Em 28 de julho de 2015, a corregedoria do TJ-RJ comunicou ao CNJ o arquivamento de representação instaurada contra o juiz. Uma juíza-auxiliar da corregedoria local concluiu pela ausência de indícios de tipicidade quanto às denúncias de assédio sexual. A corregedoria local encampou os fundamentos quanto à inocorrência do suposto crime de assédio sexual.
- Em 10 de dezembro de 2015, o conselheiro Emmanoel Campelo, do CNJ, declinou a competência para a Corregedoria Nacional.
- Em 30 de maio de 2016, a Corregedoria Nacional de Justiça determinou análise de eventual revisão disciplinar.
- Em 6 de junho 2016, por unanimidade, o CNJ determinou a instauração de revisão disciplinar.
Trechos dos votos em 2016
Corregedora Nancy Andrighi: “A suposta prática de atos de assédio moral e sexual, falta de urbanidade nas suas relações interpessoais e interferência nas investigações do procedimento instaurado na origem sugerem manifesta violação dos deveres inerentes ao ofício judicante pelo requerido, comportamento esse incompatível com os padrões éticos que a sociedade espera de um representante do Poder Judiciário.
Sopesando a conduta do juiz requerido com a decisão de arquivamento, conclui-se que a medida é insuficiente para reprimir as faltas cometidas e coibir atitudes semelhantes.
Voto pela instauração, de ofício, da revisão de processo disciplinar (…) para apurar os fatos atribuídos ao Juiz do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, GLICÉRIO DE ANGIÓLIS SILVA, observados os princípios do contraditório e da ampla defesa”.
Conselheiro Rogério Soares do Nascimento [acompanhando a relatora, em voto convergente]: “O conjunto das circunstâncias, tais como, as reiteradas investidas do magistrado, as versões apresentadas pelas estagiárias (…), e os depoimentos dos servidores, revelam um comportamento no mínimo incompatível com as funções judicantes.
No mais, o contato do magistrado com as estagiárias após ter sido noticiado dos fatos e a consequente mudança de versão apresentada pelas supostas vítimas, reforçam essa suspeita.
Como se vê, o bem jurídico possivelmente afetado no delito do assédio, seja moral, seja sexual, é o abuso de poder e a quebra de confiança, razão pela qual quaisquer indícios de plausibilidade dos fatos narrados merecem exaustiva apreciação administrativa”.
Trechos dos votos em 2019
Conselheira Iracema do Vale [relatora]: “Inadmissível que um magistrado, investido regularmente de suas funções jurisdicionais, venha a portar-se de forma censurável, ainda mais em seu local de trabalho. Espera-se moderação, equilíbrio e sobriedade para a preservação da autoridade do cargo”.
Conselheira Daldice Santana: “Está configurado o assédio. Eu acompanho esses casos e não é à toa que editamos no CNJ, no ano passado, uma norma para assegurar a equidade de gênero no Judiciário”.
Conselheiro Luciano Frota: “Nunca houve um caso com indícios tão fortes como esse. A abertura do PAD é uma medida pedagógica e o afastamento se faz necessário pela tentativa de intervenção na instrução do processo”.
Conselheiro Arnaldo Hossepian: “O PAD, inclusive, é a melhor oportunidade para o magistrado se defender das acusações, já que alega cerceamento de defesa”.
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O presidente do CNJ, ministro Dias Toffoli, segundo informa o CNJ, “reforçou a necessidade de abertura do PAD e do afastamento do magistrado lembrando, inclusive, que ele sancionou importantes leis relativas ao tema quando assumiu temporariamente a Presidência da República, no ano passado, como a norma que tornou crime a importunação sexual – Lei nº 13.718”.
Foram vencidos os conselheiros Fernando Mattos, autor de voto divergente, e os conselheiros Valtércio de Oliveira e Aloysio Corrêa da Veiga.