Projeto de Moro terá maior impacto na Justiça estadual, diz Vladimir Aras

Frederico Vasconcelos
Vladimir Aras, procurador regional da República, avalia projeto de lei anticrime na Escola Superior do Ministério Público de Mato Grosso do Sul (Foto: Divulgação)

O texto a seguir é um resumo/roteiro de análise de Vladimir Aras, procurador regional da República e professor de processo penal, sobre o projeto de lei anticrime, apresentado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.

A avaliação de Aras foi feita em workshop na Escola Superior do Ministério Público de Mato Grosso do Sul, em Campo Grande (MS), na última sexta-feira (15).

Atuou como moderador o promotor de Justiça Alexandre Magno Benites de Lacerda.

***

Analisei o anteprojeto da Lei Moro nos seus eixos horizontal e vertical e no tocante aos alvos prioritários da intervenção legislativa.

No plano horizontal, os 14 projetos de lei devem causar impactos nas etapas da investigação, da instrução processual e da execução penal.

No plano vertical, os textos impactam em procedimentos de primeira instância e na fase recursal, perante as cortes de apelação e os tribunais superiores.

O texto que pretende alterar 14 leis brasileiras centra-se prioritariamente nos crimes de homicídio, corrupção em sentido lato e criminalidade organizada. Outros crimes diretamente relacionados a essa classe de delitos também mereceram foco.

Os principais vetores do projeto da Lei Moro são a concretização do sistema penal, para que as sanções penais sejam realmente cumpridas, e a busca da eficiência e da efetividade da persecução criminal.

A análise dos dispositivos legais atingidos pelas propostas permite ver que haverá maior impacto na Justiça Estadual do que nos crimes de competência da Justiça Federal. Residualmente, pode-se divisar repercussões na jurisdição militar.

Principais objetivos

A mim me parece que sete são os objetivos principais do projeto: a expansão do consenso na justiça brasileira; a busca da efetividade dos processos; o incremento do uso de métodos científicos na investigação criminal; a promoção da integridade; a recuperação de ativos; o aperfeiçoamento da qualidade da prova; e a ampliação da segurança jurídica de cidadãos comuns e de policiais.

Centrei a análise em três desses campos de intervenção legislativa, pelo seu enorme potencial de modificação de aspectos problemáticos da Justiça criminal, levando ao aumento dos índices de solução de crimes e de elucidação da autoria, à melhora do atendimento dos interesses das vítimas; à aceleração do andamento de processos e à retirada de criminosos violentos das ruas.

São estes os campos:

1) A justiça pactuada, que se expande nos projetos, passando a abranger três novas formas de acordos:

– Acordos de não persecução penal, formalizados antes da denúncia, sem imposição de pena privativa de liberdade para crimes de média lesividade;

– Acordos de fixação de pena, formalizados após o recebimento da denúncia para quaisquer crimes; e

– Acordos de leniência e acordos de ajustamento de conduta em casos de improbidade administrativa.

2. a criação ou aperfeiçoamento de três tipos de bancos de dados nacionais muito úteis às polícias técnicas ou científicas:

– Balística forense, para permitir maior controle sobre o uso de armas usadas em crimes e facilitar seu rastreamento para identificar seus autores ou seu uso em diferentes crimes;

– DNA forense, para ampliar a capacidade da Polícia de identificar autores de crimes que deixam vestígios, especialmente homicídios e crimes sexuais;

– Multibiometria, com coleta de imagens da íris e de rostos e de amostras de voz para permitir a elucidação de crimes, mediante instrumentos tecnológicos e o cruzamento de bases de dados.

3. Foco na luta contra a corrupção por meio da:

– Facilitação dos acordos cruzados em improbidade e em colaboração premiada, potencializando tais instrumentos probatórios;

– A instituição do confisco alargado, para a decretação da perda de valores ilegalmente acrescidos ao patrimônio de autores de crimes graves, evitando que tais ativos já reciclados (“lavados”) continuem a ser utilizados em atividades ilegais ou sejam apropriados para enriquecimento ilícito.

– O aperfeiçoamento do sistema de proteção a informantes ou reportantes de boa-fé (whistleblowers), que exigem mecanismos de proteção e incentivo, sendo essenciais à promoção da integridade na Administração Pública e também no mercado.

Audiências públicas e tramitação legislativa

Não foram poucas as críticas à proposta do ministro da Justiça. Algumas desarrazoadas; outras razoáveis e que merecem reflexão.

Evidentemente, o projeto pode ser aperfeiçoado e deverá sê-lo no processo legislativo, incialmente na Câmara dos Deputados.

Audiências públicas convocadas pelo Parlamento com os vários segmentos da sociedade e a análise dos textos pelos relatores designados, com a ajuda de seus consultores legislativos, certamente trarão novidades e correções aqui ou ali.

É óbvio que leis penais ou processuais não são suficientes para resolver os problemas crônicos, de múltiplas dimensões, na segurança pública e na justiça criminal.

Leis nunca são suficientes.

É preciso sempre investir em políticas públicas, notadamente saúde, educação e infraestrutura para o desenvolvimento sustentável. Mas, para a realização da política criminal, que é uma das manifestações das políticas públicas do Estado, não se pode prescindir da elaboração de leis que sejam necessárias para começar a alterar o quadro presente, que há anos aflige os brasileiros.

Há no Congresso Nacional um volumoso conjunto de projetos de lei para intervir nos diversos problemas da segurança pública e do processo penal e para aperfeiçoar as garantias judiciais perante a justiça criminal. Infelizmente, o processo legislativo pode ser lento.

Espera-se que esta e outras iniciativas positivas mereçam pronta tramitação legislativa.