Projeto de Moro terá maior impacto na Justiça estadual, diz Vladimir Aras
O texto a seguir é um resumo/roteiro de análise de Vladimir Aras, procurador regional da República e professor de processo penal, sobre o projeto de lei anticrime, apresentado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.
A avaliação de Aras foi feita em workshop na Escola Superior do Ministério Público de Mato Grosso do Sul, em Campo Grande (MS), na última sexta-feira (15).
Atuou como moderador o promotor de Justiça Alexandre Magno Benites de Lacerda.
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Analisei o anteprojeto da Lei Moro nos seus eixos horizontal e vertical e no tocante aos alvos prioritários da intervenção legislativa.
No plano horizontal, os 14 projetos de lei devem causar impactos nas etapas da investigação, da instrução processual e da execução penal.
No plano vertical, os textos impactam em procedimentos de primeira instância e na fase recursal, perante as cortes de apelação e os tribunais superiores.
O texto que pretende alterar 14 leis brasileiras centra-se prioritariamente nos crimes de homicídio, corrupção em sentido lato e criminalidade organizada. Outros crimes diretamente relacionados a essa classe de delitos também mereceram foco.
Os principais vetores do projeto da Lei Moro são a concretização do sistema penal, para que as sanções penais sejam realmente cumpridas, e a busca da eficiência e da efetividade da persecução criminal.
A análise dos dispositivos legais atingidos pelas propostas permite ver que haverá maior impacto na Justiça Estadual do que nos crimes de competência da Justiça Federal. Residualmente, pode-se divisar repercussões na jurisdição militar.
Principais objetivos
A mim me parece que sete são os objetivos principais do projeto: a expansão do consenso na justiça brasileira; a busca da efetividade dos processos; o incremento do uso de métodos científicos na investigação criminal; a promoção da integridade; a recuperação de ativos; o aperfeiçoamento da qualidade da prova; e a ampliação da segurança jurídica de cidadãos comuns e de policiais.
Centrei a análise em três desses campos de intervenção legislativa, pelo seu enorme potencial de modificação de aspectos problemáticos da Justiça criminal, levando ao aumento dos índices de solução de crimes e de elucidação da autoria, à melhora do atendimento dos interesses das vítimas; à aceleração do andamento de processos e à retirada de criminosos violentos das ruas.
São estes os campos:
1) A justiça pactuada, que se expande nos projetos, passando a abranger três novas formas de acordos:
– Acordos de não persecução penal, formalizados antes da denúncia, sem imposição de pena privativa de liberdade para crimes de média lesividade;
– Acordos de fixação de pena, formalizados após o recebimento da denúncia para quaisquer crimes; e
– Acordos de leniência e acordos de ajustamento de conduta em casos de improbidade administrativa.
2. a criação ou aperfeiçoamento de três tipos de bancos de dados nacionais muito úteis às polícias técnicas ou científicas:
– Balística forense, para permitir maior controle sobre o uso de armas usadas em crimes e facilitar seu rastreamento para identificar seus autores ou seu uso em diferentes crimes;
– DNA forense, para ampliar a capacidade da Polícia de identificar autores de crimes que deixam vestígios, especialmente homicídios e crimes sexuais;
– Multibiometria, com coleta de imagens da íris e de rostos e de amostras de voz para permitir a elucidação de crimes, mediante instrumentos tecnológicos e o cruzamento de bases de dados.
3. Foco na luta contra a corrupção por meio da:
– Facilitação dos acordos cruzados em improbidade e em colaboração premiada, potencializando tais instrumentos probatórios;
– A instituição do confisco alargado, para a decretação da perda de valores ilegalmente acrescidos ao patrimônio de autores de crimes graves, evitando que tais ativos já reciclados (“lavados”) continuem a ser utilizados em atividades ilegais ou sejam apropriados para enriquecimento ilícito.
– O aperfeiçoamento do sistema de proteção a informantes ou reportantes de boa-fé (whistleblowers), que exigem mecanismos de proteção e incentivo, sendo essenciais à promoção da integridade na Administração Pública e também no mercado.
Audiências públicas e tramitação legislativa
Não foram poucas as críticas à proposta do ministro da Justiça. Algumas desarrazoadas; outras razoáveis e que merecem reflexão.
Evidentemente, o projeto pode ser aperfeiçoado e deverá sê-lo no processo legislativo, incialmente na Câmara dos Deputados.
Audiências públicas convocadas pelo Parlamento com os vários segmentos da sociedade e a análise dos textos pelos relatores designados, com a ajuda de seus consultores legislativos, certamente trarão novidades e correções aqui ou ali.
É óbvio que leis penais ou processuais não são suficientes para resolver os problemas crônicos, de múltiplas dimensões, na segurança pública e na justiça criminal.
Leis nunca são suficientes.
É preciso sempre investir em políticas públicas, notadamente saúde, educação e infraestrutura para o desenvolvimento sustentável. Mas, para a realização da política criminal, que é uma das manifestações das políticas públicas do Estado, não se pode prescindir da elaboração de leis que sejam necessárias para começar a alterar o quadro presente, que há anos aflige os brasileiros.
Há no Congresso Nacional um volumoso conjunto de projetos de lei para intervir nos diversos problemas da segurança pública e do processo penal e para aperfeiçoar as garantias judiciais perante a justiça criminal. Infelizmente, o processo legislativo pode ser lento.
Espera-se que esta e outras iniciativas positivas mereçam pronta tramitação legislativa.