Ministros do STF avaliam os ‘juízes sem rosto’ de Alagoas
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai propor aos tribunais a criação de varas colegiadas para processar e julgar exclusivamente delitos de organizações criminosas, revela reportagem do editor deste Blog publicada na Folha.
A ideia é reproduzir a experiência de Alagoas, que instituiu em 2007 a 17ª Vara Criminal da Capital, centralizando em Maceió os inquéritos e denúncias vindos de todo o estado.
A vara possui três juízes titulares. As decisões são unânimes, assinadas pelos três. Não há publicação de voto divergente, mesmo que não tenha havido unanimidade nas discussões.
Acredita-se que isso dilui a responsabilidade individual, preserva o magistrado de pressões externas e reduz o risco de erro judicial.
É uma versão amenizada dos “juízes sem rosto” da Itália.
Em maio de 2012, o Supremo Tribunal Federal julgou Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pela Ordem dos Advogados do Brasil. A OAB questionou a lei estadual que criou aquela vara especializada.
Por maioria, o STF manteve a vara alagoana, com ajustes em dispositivos da lei julgados inconstitucionais.
A seguir, trechos de manifestações de ministros do STF durante o julgamento:
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Luiz Fux (relator):
“Todo o segmento jurídico alagoano tem assentado que quem ganha com a eventual extinção dessa vara contra os crimes organizados é exatamente o crime organizado”.
“A atuação da vara coibiu, segundo esse segmento, os crimes de sequestros, que praticamente não são registrados há mais de um ano, e focou a sua atuação no combate ao tráfico de drogas”.
“A iniciativa, atuando-se como referência, chegou a ser citada como exemplo nacional pelo CNJ”.
“Eu faço esse introito exatamente para, digamos assim, valer-me dessas informações e afiançar a eficiência deste juízo colegiado criado no Estado de Alagoas”.
“O diploma questionado, Lei nº 6.806 de 22 de março de 2007, representa a solução implementada pelo Estado de Alagoas para enfrentar, com presteza e justiça, a articulada rede de criminosos que atemoriza a sociedade e compromete o crescimento econômico do país”.
(…)
“Não há qualquer inconstitucionalidade na criação, pelos estados, de varas especializadas em razão da matéria, seja no âmbito cível, seja na seara penal”.
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Marco Aurélio:
“Para combater-se o crime, no que tomou um diapasão maior no estado de Alagoas, resolveu-se criar uma vara criminal especial. Diria não apenas especial, tendo em conta a especialização em si, considerada a matéria, mas especial no sentido maior.
“O próprio introito do diploma revela que a Lei nº 6.806/2007 cria, no âmbito do Poder Judiciário estadual, a 17ª Vara Criminal da Capital, com competência exclusiva para processar e julgar delitos praticados por organizações criminosas – houve a explicitação entre parênteses: crime organizado – dentro do território alagoano. Adota providências correlatas.”
“Não temos ainda, no País, este tipo penal: organização criminosa. Não há a definição.”
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Presidente, vinte e sete são os Estados que integram a República Federativa do Brasil. Indago: somente no Estado de Alagoas, ter-se-á juízo, ou melhor, colegiado na primeira instância incumbido de julgar crimes? Existe alguma coisa errada.
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Gilmar Mendes:
“Quanto à peculiaridade local, nós sempre temos nos referido à situação desse próprio estado de Alagoas, onde tem uma presença muito forte do crime organizado, especialmente do crime de mando.”
“Creio ter citado aqui dados do CNJ, revelando que, em 2008/2009, em Alagoas, havia algo em torno de quatro mil homicídios verificados, sem sequer inquérito aberto, sugerindo, portanto, uma situação quase que de degradação institucional.”
(…)
“Na verdade, é uma medida que reforça até a ideia do juiz natural no sentido da independência, da imparcialidade, fazendo com que o juiz não fique atemorizado diante dessas realidades de que se fala. Portanto, a mim me parece que, neste ponto, é de saudar a própria iniciativa tomada pelo legislador alagoano.”