STF decide sobre tentativa de minar o combate à corrupção

Sob o título “Império da impunidade”, o artigo a seguir é de autoria de Roberto Livianu, promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção.

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Com certeza, os integrantes da Lava Jato não imaginaram chegar onde chegaram, mas estão completando um ciclo virtuoso de cinco anos de trabalho, mudando a história da justiça do Brasil e do próprio país ao alcançar pessoas que se consideravam intocáveis, detentoras de grandes parcelas de poder político e econômico, concretizando exitosas investigações, processos e punições.

À medida que se seguia o dinheiro e se puxava o fio da meada, as fases da operação foram se sucedendo e Ministério Público, Polícia Federal, Receita Federal e Judiciário se depararam com um quadro de podridão e fedor de intensidade indescritível, da prática da corrupção como opção de vida enraizada naturalizada no poder público, em partidos políticos, em empresas que chegavam a criar departamentos formalmente estabelecidos para planejar e distribuir com eficiência a propina.

Trata-se, inegavelmente, do maior caso de corrupção que o planeta já viveu e o exemplo brasileiro de enfrentamento por força-tarefa transformou-se em case internacional, sendo reconhecido pelo mundo pela coragem, denodo, profissionalismo e exemplaridade.

Mas, devemos lembrar, ao longo destes cinco anos, a Lava Jato esteve constantemente por um triz e se manteve de pé pela força e magnitude dos fatos cuja responsabilização promoveu e pelo apoio incondicional recebido por parte da sociedade.

Não faltaram iniciativas, manobras e tentativas para inviabilizar o trabalho. Quem se esquece, no plano administrativo, da diminuição do contingente da Polícia Federal designado para a Força Tarefa pelo Governo Federal? E da ameaça de aprovação de indulto a toda e qualquer prática ilícita envolvendo caixa dois eleitoral em votação secreta em novembro de 2016? E do pisoteamento covarde das Dez Medidas Contra a Corrupção uma semana depois, na calada da madrugada, enquanto o Brasil chorava a tragédia que matou a equipe da Chapecoense?

Quem poderá se esquecer do indulto presidencial Black Friday, editado em 2017 por um Presidente que foi denunciado criminalmente por corrupção por duas vezes, que liquidava ineditamente 80% das penas do corruptos condenados, como se não houvesse lei ou justiça? E do projeto de lei de “abuso de autoridade” que punia por mera interpretação da lei não conveniente e que tinha alvo certo: magistrados e membros do MP e nenhuma previsão a crimes de parlamentares, como se fosse impossível abusarem do poder?

São apenas alguns exemplos.

Tudo para minar e amesquinhar o trabalho de enfrentamento à corrupção, que revelou podridão e fedor no mundo dos partidos políticos, que, via de regra, transformaram-se em organizações dedicadas ao exercício do poder sem limites, à manipulação, à opacidade, ao arrepio da lei, sem ética nem adequada prestação de contas.

Amanhã o país terá de vencer mais uma cartada nesta difícil jornada. O pleno do Supremo Tribunal FederalF analisará a questão da competência de julgamento para crimes de corrupção quando no caso concreto houver também crimes eleitorais, como o caixa dois.

A interpretação que sempre prevaleceu foi a de que a justiça comum julga corrupção, limitando-se a competência da justiça eleitoral aos casos envolvendo matéria estritamente eleitoral. Tenta-se ardilosamente ampliar a competência da Justiça Eleitoral para que em função de sua estrutura pequena, singela e que funciona com Juízes e membros do MP em rodízio possa-se alcançar o resultado pela prescrição, pela falta de condições estruturais.

Modificar este entendimento poderá significar a anulação de condenações proferidas na Lava Jato e em muitos outros casos de corrupção, derrotando-se o bom senso, a razoabilidade e o combate destemido à corrupção que vem sendo travado no Brasil.

A justiça eleitoral assim como a justiça militar, outro exemplo, foram concebidas para apreciar matérias específicas, sendo descabido o alargamento artificial da competência, cujo questionamento pretende, em verdade, a inviabilidade e o fracasso da luta anticorrupção. O império da impunidade.