A chacina de Suzano e a cultura da paz e tolerância

Sob o título “A tragédia em Suzano exige a defesa da educação”, o manifesto abaixo é divulgado pela Rede de Defesa e Resistência Democrática, que reúne lideranças religiosas, intelectuais, juristas, entidades e sindicatos em defesa dos direitos civis e sociais.

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Ontem, vivemos mais um episódio da escalada da violência em nosso país. Não se trata de fato isolado. Muito ao contrário. Dez vidas foram ceifadas, sendo cinco de estudantes da Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano, por ato de dois jovens que cultuavam ideologias extremadas.

Um dos atiradores, Luiz Henrique e Guilherme Taucci, era frequentador do Dogolachan, grupo de internet racista e intolerante, que prega a violência, chegando a pedir ajuda para conseguir armas, segundo administrador deste grupo. Após o crime cometido, vários desses agrupamentos festejaram a chacina.

A Rede de Defesa e Resistência Democrática, criada por cem entidades da área social, lideranças religiosas, intelectuais, juristas, sindicatos e entidades de defesa de direitos civis e sociais, manifesta profundo pesar pelo massacre ocorrido na Escola Estadual Raul Brasil ao tempo em que se solidariza com as famílias das vítimas e com a comunidade de Suzano.

Queremos, contudo, destacar nosso assombro em perceber declarações estapafúrdias de expoentes da cultura da violência. Vinculados à esta abjeta cultura, estranha à índole dos brasileiros, algumas lideranças políticas, de maneira oportunista, chegaram a declarar que a chacina não teria ocorrido se o porte de armas fosse liberado em nosso país. Oportunismo puro, desajeitado e insensível, alimentado pela ansiedade do mercado de porte de armas gerar dividendos para alguns.

As declarações vão na contramão do bom senso.

Os dois assassinos chegaram a citar como referência o Massacre de Columbine, ocorrido em 20 de abril de 1999, na Columbine High School, nos EUA, país onde o porte de armas é liberado, onde 21 pessoas foram assassinadas por dois ex-alunos fortemente armados, numa coincidência macabra com a tragédia de Suzano.

As declarações oportunistas vão na contramão do testemunho de vítimas da escalada da violência em nosso país, como a de Elaine Caparroz, espancada por seu namorado e que declarou taxativamente que “Ter arma em casa não me ajudaria”. Afirmou, ainda, que com uma arma, a tragédia seria ainda pior.

Assusta é a insensibilidade para com a dor de familiares das vitimas da tragédia em Suzano. Revela ansiedade e oportunismo político que denota desumanidade.

A tragédia de hoje atinge a todos que defendem o direito à vida e soma-se aos episódios ocorridos na Escola Municipal Tasso da Silveira/RJ (Massacre de Realengo – 07.04.2011 – 12 vítimas fatais) e do Colégio Goyazes/GO (20.10-2017 – 2 vítimas fatais).

A saída não é jogar gasolina na fogueira. Não se pode tratar a violência com uma escalada ainda maior de violência.

A saída é a cultura da paz, a tolerância.

Os dois jovens assassinos eram brancos, de classe média e tinham acesso às redes sociais no conforto de suas casas. As armas de fogo em nosso país são empregadas para assassinar, em especial, jovens negros e pobres. Somos campeões mundiais em assassinatos de adolescentes jovens por armas de fogo.

O Atlas da Violência divulgado no ano passado revela 62,5 mil pessoas assassinadas no Brasil em 2016, confirmando a tendência de maior violência contra jovens e negros: A taxa de homicídios de negros (pretos e pardos) no Brasil foi de 40,2, enquanto a de não negros (brancos, amarelos e indígenas) ficou em 16 por 100 mil habitantes..

A chacina de ontem poderia ser evitada com política preventivas, de atendimento do Estado às famílias. Um dos jovens atiradores havia sido expulso da escola por atos de indisciplina. Vizinhos de onde residia afirmaram que sua família apresentava problemas de convivência. Experiências mundiais de sucesso para reduzir atos de violência e agressão em escolas de ensino básico e que são registradas e premiadas pela UNESCO sugerem estas intervenções com as famílias.

A saída não é armar a todos para que nos afastemos mais ainda uns dos outros, desconfiando, antes de confiar, prontos para o abate, como animais irracionais.

A saída é justamente nos aproximarmos mais: escolas menores, menos alunos por sala de aula, visitas periódicas (integrando escola e equipes de saúde e assistência social) às famílias, políticas de inclusão e acolhimento, atendimento direto e constante de situações de violência e abandono social.

A velha máxima do prevenir para não remediar.

Os que pregam uma sociedade armada e pronta para o ataque são os que parecem se alimentar dessas tragédias. Não buscam erradicar os crimes, mas perpetuá-los. Há algo de muito estranho em sua conduta.

Precisamos nos unir, desenvolver a solidariedade e políticas públicas mais eficazes no atendimento de quem se sente transtornado. Precisamos pregar a paz, a convivência. Chega de tragédias. Basta de discursos do ódio e da pregação de mais violência.

As vítimas desses crimes bárbaros não podem ser usadas por interesses de ganhos pessoais daqueles que nem mesmo foram solidários às suas famílias.