Lava Jato cometeu brutal erro estratégico, diz procurador
Sob o título “Lava Jato perdeu conexão com estratégia”, o artigo a seguir é de autoria do procurador da República Celso Antonio Três, do Rio Grande do Sul. Três atuou no início do caso Banestado, divergiu da força-tarefa da Lava Jato, condenou a divulgação de delações premiadas e criticou em documento as “10 Medidas de Combate à Corrupção”.
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Ao equilíbrio do poder, autoridade ‘até a virtude precisa de limites’ (Montesquieu)
Causa furor, histéricos ataques, decisão do Supremo Tribunal Federal definindo que os delitos apurados pela Lava Jato, em essência, corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, quando conexos com crime eleitoral, a exemplo do caixa 2 de campanha, devem ser todos julgados pela Justiça Eleitoral.
O julgado inovou ou repisou o pacífico? A Justiça Eleitoral, de natureza especial, sempre teve competência prevalente sobre Justiça Estadual e Federal, ambas de natureza comum.
Está claro no Código de Processo Penal (arts. 76 a 82) e ainda mais na Constituição (art. 109, IV), sendo explícita a ressalva dos delitos eleitorais na competência da Justiça Federal.
No concurso público que prestaram a procurador da República, todos os membros da Lava Jato responderiam ser competente a Justiça Eleitoral. Mais. Caso esses integrantes da força-tarefa cometam algum crime, mesmo que da esfera estadual, serão processados no Tribunal Regional Federal. Exceção, precisamente, ao delito eleitoral e conexos, aos quais responderão no Tribunal Regional Eleitoral (art. 108, I, ‘a’, da Constituição).
Pedra angular estratégica de qualquer investigação é a competência jurisdicional. Ministério Público deve: a) fundamentar competência de seu juízo; b)abster-se de cavilar delitos que possam subtraí-la.
Se no voo quem perde conexão fica pelo caminho, na investigação quem incorre em conexão errada perde a competência e também não chega ao destino.
A Lava Jato assentou sua competência precisamente em engenhoso exercício de conexão.
Sendo a Petrobrás empresa de economia mista, de capital público e privado, crimes contra ela não são da Justiça Federal e sim da Estadual. Todavia, mercê dos delitos federais adjacentes, evasão de divisas, lavagem de dinheiro internacional, autoria de agentes públicos federais e outros, sedimentou-se a competência da Justiça Federal. Nisso, vale a leitura das sentenças do então juiz Sergio Moro, cuja parte introdutória traça arcabouço das conexões que firmam sua competência.
Todavia, a Lava Jato perdeu conexão com a estratégia da persecução quando incorreu no colossal erro de cavilar a existência de delito que subtrairia sua competência, exatamente o crime eleitoral, prevalente que é sobre a Justiça Federal.
Caixa 2 de campanha eleitoral era tido como atípico, conduta sem punição criminal, tanto que as famosas “10 medidas contra corrupção”, proposição de lei apresentada pela Lava Jato ao Congresso Nacional após coletar assinaturas de cidadãos como projeto de iniciativa popular, propunha a criação do delito.
Atual projeto anticrime de Sergio Moro também repisa a iniciativa.
Eis que a Lava Jato, na busca de ampliar o leque de imputações, passou a enquadrar a conduta do caixa 2 do delito de falsidade ideológica do Código Eleitoral, art. 350.
Práxis iniciada no caso da denúncia apresentada pelo procurador-geral da República Rodrigo Janot contra Eduardo Cunha no STF, imputando esse e outros delitos.
Inicialmente, dado que o deputado respondia no STF por qualquer delito, não havia óbice da competência. Contudo, era inelutável, como de fato ocorreu, que Cunha perderia o foro, iminente sua cassação. Baixado a Curitiba, o então juiz Sergio Moro revisou decisão do STF e excluiu o crime eleitoral, seguindo na jurisdição dos demais delitos. Porém, tendo o STF recebido a denúncia com o enquadramento do caixa 2 no art. 350 do CE, firmou precedente, repetido em outras denúncias, tendo já condenação pela conduta na Suprema corte.
Não o suficiente, a Lava Jato deduziu imputação –descrevendo o fato, inobstante não o capitulando– de caixa 2 nas denúncias perante a Justiça Federal. Exemplo típico do ex-presidente Lula, caso pelo qual ele está preso.
Na denúncia, em síntese, imputam-se três espécies de vantagem indevida, produto da corrupção: a) triplex/mobília; b) armazém/aluguel de depósito/guarda de pertences; c) caixa 2 de campanha eleitoral.
“Data maxima venia”, denúncia –competência– suicida.
Seria possível mudar o histórico entendimento jurisprudencial de prevalência da justiça eleitoral nos crimes conexos?
Afinal, a Lava Jato já não alterou jurisprudência a mais diversa, a exemplo dos pressupostos da prisão preventiva? Sim, há fundamentos idôneos, respeitáveis dos ministros do STF vencidos, os quais votaram por cindir, separar os delitos eleitoral e da Justiça Federal.
Porém, jamais valeu correr o risco, eis que a pena do crime eleitoral é pífia, valor simbólico, dada natureza política. A estratégia impunha nunca correr perigo de perder a persecução.
Já disse e reafirmo, a Lava Jato é a maior e irrepetível investigação da história. Depois dela, tudo será pequeno. Membros do Ministério Público já perpetuaram em bronze seus nomes no memorial da justiça.
Porém, aqui, a Lava Jato cometeu brutal erro estratégico. Pior. À falta de humildade, autocrítica, diaboliza membros do STF quem não atendem seus anseios.