Anatel discute se servidores e conselheiros podem exercer advocacia

O Conselho Diretor da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) deverá decidir sobre uma questão polêmica: reformar o regimento interno para permitir que servidores e conselheiros possam exercer outras atividades, como consultorias e a advocacia.

O assunto foi antecipado pelo Teletime, publicação especializada do setor. Na última quinta-feira, o jornalista Samuel Possebon registrou as posições divergentes na agência, quando o tema saiu de pauta por pedido de vista do conselheiro Emmanoel Campelo.

O relator, Vicente Aquino, entendeu que a sugestão não deveria ser colocada em consulta pública, pois existe vedação legal para o exercício de outras atividades.

Aquino lembrou que Lei 10.871/2004, que trata da criação de carreiras e organização de cargos efetivos das Agências Reguladoras, dispõe em seu art. 36-A que é vedado o “exercício regular de outra atividade profissional”.

O ouvidor, Thiago Botelho, explicou que o item surgiu por conta de um processo de um servidor em atividade pro bono. “Talvez a proposta careça de aperfeiçoamento, mas a ideia é regulamentar (o que a lei chama de) as atividades regulares. Por exemplo, um servidor engenheiro executar um projeto em um prédio, sem conflito ético ou funcional”, defendeu Botelho.

“Não queremos que as eventuais exceções comprometam a regra geral. Nesse sentido é que rogo ao conselho que, fazendo ajustes redacionais necessários para garantir que não se afronte a regulamentação, mas sem retirar esse artigo da proposta para consulta pública, considere a sugestão”, disse o ouvidor.

Para Emmanoel Campelo, o item da sugestão da ouvidoria que abre a possibilidade do exercício da atividade é um aspecto que mereceria pelo menos ser colocado em consulta pública.

Além disso, diz Campelo, não se pode haver categorização de servidor público, que o servidor de agência reguladora tenha que ser mais limitado ou tolhido. “É uma convicção que não consigo abandonar. Servidor público é servidor público. Não podemos regular pressupondo o desvio. Se retiramos a proposta por isso é porque estamos presumindo que o servidor da agência agirá de má-fé”.

Para ele, retirar a proposta da consulta é ser mais duro do que a própria norma. Sua visão é de que o caso mais crítico é o da advocacia, e ele reconhece que existem restrições no estatuto da OAB. “Mas o Conselho Nacional do Ministério Público, que é um colegiado como esse, pode advogar. Sou advogado e estou passando uma chuva, mas enquanto for conselheiro vou defender esta instituição”.

Vicente Aquino retrucou: “Não disse que estaríamos presumindo má-fé, mas que existe uma vedação legal. Não estamos presumindo que vá haver ilicitude, mas apenas que a lei proíbe. É um pedido juridicamente impossível”.

Ainda segundo a mesma publicação, Campelo treplicou, afirmando que diverge da interpretação da lei e não vê esta restrição legal.

Após a discussão, Campelo decidiu pedir vista do processo para trazer seu entendimento por escrito.

Campelo é advogado, mediador e conselheiro da Anatel desde novembro de 2017. Em fevereiro, foi designado para a vice-presidência da agência.

Filho do ministro do Tribunal Superior do Trabalho Emmanoel Campelo, natural do Rio Grande do Norte, seu nome foi enviado para o Senado pelo ex-presidente Michel Temer como indicação da cota do PMDB daquele estado, com apoio do senador Garibaldi Alves e do ex-ministro Henrique Eduardo Alves, segundo a imprensa divulgou na época.

É mestre em direito pela Universidade Católica de Brasília e doutorando em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É professor da pós-graduação em Direito Processual Civil do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e da pós-graduação em Métodos Adequados de Tratamento de Conflitos. No IDP, também foi professor da graduação na disciplina de Métodos de Solução de Conflito, de 2014 a 2015.

Campelo foi membro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nos biênios 2012-2014 e 2014-2016, indicado para ocupar a vaga da representação da Câmara dos Deputados pela então presidente Dilma Rousseff (PT).

Em julho de 2016, num dos casos mais controvertidos, determinou em liminar que o Tribunal de Justiça de São Paulo reaproveitasse um juiz que estava em disponibilidade desde 1992, suspeito de fraude eleitoral.

O Órgão Especial do TJ-SP entendera que ficou comprovado o recebimento, pelo juiz Marcello Holland Neto, de um “relógio valioso presenteado por um candidato beneficiado” e de auxílio moradia pago por uma prefeitura.

Em fevereiro de 2017, o colegiado do CNJ determinou que o tribunal paulista prosseguisse o processo de aproveitamento do juiz.

Em sua decisão monocrática, Campelo sustentara que “nada justifica impedir que o apenado possa dar continuidade às suas atividades laborativas, essenciais que são para a preservação da dignidade pessoal e, além, para a realização dos ideários da alma, tão ligados à obra que cada ser humano pode construir em seu período de atividade profissional”.