Juízes e promotores de Pernambuco rejeitam festejar o golpe de 1964
Presidentes das associações de magistrados e de membros do Ministério Público em Pernambuco divulgaram nota pública contra a “celebração dos 55 anos do golpe militar que flagelou a democracia brasileira”.
No documento, os juízes e promotores pernambucanos manifestam “veemente repulsa à celebração do começo de um longo regime ditatorial, comprovadamente responsável por ofensas graves a valores garantidores da paz social, tais como dignidade, liberdade e igualdade”.
“A celebração da morte, da segregação social e familiar, bem como da tortura contraria as regras mais basilares do Estado Democrático de Direito”, afirmam Laura Cavalcanti de Morais Botelho, presidente da Amatra 6, Emmanuel Bonfim Carneiro Amaral Filho, presidente da Associação dos Magistrados de Pernambuco, e Marcos Antônio Matos de Carvalho, presidente da Associação do Ministério Público de Pernambuco.
Eis a íntegra do documento:
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NOTA PÚBLICA
As entidades signatárias da presente nota vêm a público manifestar profundo repudio às declarações emanadas da Presidência da República, através do seu do porta-voz, o Sr. Otávio Rêgo Barros, que afirmou, nesta última segunda-feira (25.03.2019), que o Ministério da Defesa deveria realizar, no dia 31.03.2019, as “comemorações devidas” pelos 55 anos do golpe que encerrou abruptamente o governo do Presidente João Goulart, eleito democraticamente, dando início a uma ditadura militar de vinte e um anos no Brasil.
Cabe destacar, inicialmente, que as associações que assinam a presente nota têm entre as suas missões institucionais a defesa irrestrita do Estado Democrático de Direito, razão pela qual se impõe a manifestação de veemente repulsa à celebração do começo de um longo regime ditatorial, comprovadamente responsável por ofensas graves a valores garantidores da paz social, tais como dignidade, liberdade e igualdade.
Sabe-se que o período da ditadura militar foi marcado pela ausência de eleições diretas, fechamento do Congresso Nacional, cassação de mandatos, perda de direitos políticos, censura da imprensa, desaparecimento ou assassinato de mais de 400 pessoas, prisões e tortura de outras milhares, entre tantas violações que até hoje provocam sofrimento nas vítimas e familiares que conviveram com esse regime autoritário.
Assim, entendem as signatárias que não há espaço para se exaltar o golpe em apreço, mas sim para se desenvolver uma visão crítica que leve ao aprendizado, com o intuito de evitar que os erros do passado venham a se repetir no futuro e que se busque de forma incessante o respeito às instituições do nosso ainda incipiente regime democrático.
A utilização de expressões que objetivam conferir contornos de legitimidade a esse sombrio período da história, a exemplo de “Revolução de 1964”, “Contragolpe de 1964”, “Movimento Militar de 64” ou “Contrarrevolução de 1964” não são capazes de negar a realidade extraída dos estudos da Comissão Nacional da Verdade, instituída pela Lei 12.528/2011 com a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período fixado no art. 8o , do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, com o objetivo de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional.
O relatório final da citada Comissão, publicado em 2014, desvela um quadro de horror que mancha de sangue a história do nosso país a partir de relatos e provas irrefutáveis de toda sorte de violência praticada contra os militantes contrários à ditadura.
A celebração da morte, da segregação social e familiar, bem como da tortura contraria as regras mais basilares do Estado Democrático de Direito, a ordem constitucional e representa claro desrespeito à dor e ao sofrimento de milhares de cidadãos brasileiros, além de ser passível de configuração, em tese, de conduta tipificada na Constituição, art. 85, incisos III e V, e na Lei n. 1.079/50, art. 4º, incisos III e V.
Nesse cenário, as entidades abaixo indicadas, em respeito à memória das milhares de vítimas do regime ditatorial e de suas famílias e à ordem jurídica pátria, repudiam as declarações da Presidência da República para celebração dos 55 anos do golpe militar que flagelou a democracia brasileira.
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LAURA CAVALCANTI DE MORAIS BOTELHO
Presidente da Amatra 6 – Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da Sexta Região
EMANUEL BONFIM CARNEIRO AMARAL FILHO
Presidente da AMEPE – Associação dos Magistrados do Estado de Pernambuco
MARCOS ANTÔNIO MATOS DE CARVALHO
Presidente da AMPPE – Associação do Ministério Público de Pernambuco