Quando a patriotada e o abuso chegam aos guardas municipais

Durante o período de treinamento e em programas de reciclagem, os guardas municipais de Caçapava (SP) eram obrigados a cantar o Hino Nacional em sala fechada, com aplicação de gás de pimenta diretamente nos olhos e gás lacrimogêneo, sendo proibidos de abandonar o local.

Os treinandos eram submetidos ao uso de arma de eletrochoque (Taser). Os guardas que não se voluntariavam eram chamados de “covardes” e “maricas” pelo comandante.

Havia, ainda, o transporte de 20 guardas na carroceria de caminhões com capacidade para 6 pessoas e treinamento em água e barro sem roupa adequada.

A partir de reclamação de um servidor, o Ministério Público do Trabalho ajuizou ação civil pública. (*)

Em recurso, o município alegou que os integrantes da guarda municipal “ocupam cargo público de natureza peculiar e necessitam vivenciar situações adversas, sendo, portanto, justificáveis os treinamentos ministrados em 2008 e 2010”.

Segundo laudo pericial, o gás de pimenta é agente inflamatório não neutralizável. O gás lacrimogêneo causa lacrimejamento intenso e queimação, tosse e asfixia, e em exposições mais longas, pode causar lesões na córnea, cegueira, queimaduras na garganta, pulmões e até mesmo asfixia completa.

Além disso, consta no laudo que no Brasil a venda de gás lacrimogêneo é controlada pelo Exército e deverá ser usado em casos extremos. Embora seja de natureza não letal, existe possibilidade de morte.

Consta no processo que “havia, também, no ambiente de treinamento, xingamentos, zombarias e escárnios que produziam dor psicológica e as práticas de ‘pagar flexão’ não eram acompanhadas por profissional qualificado e feitas sem critério biomecânico”.

Em sua conclusão a perita afirmou que restou caracterizado que no posto de trabalho as condições eram ergonomicamente sem instruções quanto aos riscos, meios de limitação e prevenção, tendo havido violência moral e física.

O município impugnou o laudo e afirmou que a perita não analisou o ponto essencial, que é a qualificação dos guardas municipais mediante exposição a condições que eventualmente ocorreriam em seu trabalho, além de não ter havido análise a diversos quesitos apresentados.

Ao contestar, a perita argumentou que o município invoca simulação de situações que poderiam ser enfrentadas pelo guarda, o que não justifica aplicação do gás de pimenta diretamente nos olhos e dispersão do gás lacrimejante junto aos treinandos em razão do alto risco.

Em sessão realizada em 28 de março de 2019, a 1ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região julgou o processo.

Foi negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida, por unanimidade, nos termos do voto da relatora, Larissa Carotta Martins da Silva Scarabelim.


(*) Processo: 0010489-32.2016.5.15.0119