Deltan Dallagnol mantém a imagem de que há uma panelinha no Supremo

O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) decidiu nesta terça-feira (23), por maioria, instaurar processo administrativo disciplinar contra o procurador da República Deltan Dallagnol, da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.

O CNMP vai apurar a conduta do procurador em entrevista à Rádio CBN, em agosto de 2018.

Ele afirmou que três ministros do Supremo Tribunal Federal –Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski– formam uma “panelinha” que “manda uma mensagem muito forte de leniência a favor da corrupção”.

Na longa defesa que ofereceu ao CNMP, o procurador lista fatos e citações que, no seu entender, confirmariam a atuação de uma “panelinha” no STF [veja trechos, abaixo].

A decisão do CNMP merece algumas considerações.

1. A instauração do processo administrativo teve origem em solicitação do ministro Dias Toffoli à Corregedoria Nacional do Ministério Público.

2. A decisão do CNMP ocorre no momento em que se articula uma rede de proteção ao Supremo, alvo de críticas nas redes sociais e de ameaças de uma CPI que alcançaria membros do STF.

3. A imagem do Supremo foi afetada com a recente decisão de Toffoli, que atropelou a jurisprudência e o princípio da impessoalidade ao mandar instaurar um inquérito para apurar os ataques à corte, além de defender a censura, o que é incompatível com a Constituição.

4. O Conselho Superior do Ministério Público Federal já havia examinado os mesmos fatos, e entendera que não havia falta disciplinar.

5. O Ministério Público está dividido, antecipando uma disputa interna pela sucessão da procuradora-geral da República, Raquel Dodge.

6. Deltan Dallagnol diz que emitiu “um juízo crítico, mas sem usar palavras de baixo calão ou imputar má intenção aos ministros, sem ser desrespeitoso ou ter o intuito de ofender, sobre decisões proferidas”.

7. O procurador já foi chamado de “cretino” por Gilmar Mendes, que também disse que o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot é “delinquente”.

8. No centro da polêmica está a decisão de enviar para a Justiça Eleitoral termos de depoimentos de delatores e colaboradores da Odebrecht, “como se crime de corrupção não houvesse a ser investigado pela Justiça ordinária”, no dizer do procurador. Essa é uma questão que ainda deve gerar muita discussão.

Sobre a entrevista que concedeu à Rádio CBN, Dallagnol diz que “foi uma crítica de autoridade pública, contra decisões de autoridades públicas, em matéria de interesse público, o que entendo ser um dos núcleos fundamentais da liberdade de expressão”.

A seguir, alguns trechos da peça de defesa do procurador.

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– Entre agosto de 2017 e 2018, os três ministros, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, em decisões colegiadas, foram responsáveis por quatro rejeições de denúncia e por uma absolvição em casos da Lava Jato. Em nenhum caso identificado, os ministros Fachin ou Celso de Mello acompanharam a decisão majoritária.

– Entre abril e agosto de 2018, os três ministros, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, em decisões colegiadas, foram responsáveis por cinco remessas de feitos da Lava Jato para a Justiça Eleitoral ou para outras jurisdições. Em apenas um dos casos, o ministro Celso de Mello acompanhou a decisão majoritária

– Em 21 de agosto de 2018, o juiz Sergio Moro afirmou em despacho, de modo correto, que “a pior forma de lidar com um esquema criminoso comum – e que inclui não só o mesmo modus operandi, mas também a utilização dos mesmos instrumentos de lavagem de dinheiro – é dispersar os casos e as provas por todo o território nacional”.

– Os mesmos três ministros autorizaram a candidatura de Demóstenes Torres, que responde por corrupção, superando sua inelegibilidade, vencidos os ministros Fachin e Celso de Mello – o que amplia a possibilidade de continuidade no poder de pessoa investigada e expulsa do Legislativo em razão de provas de seu envolvimento nesse tipo de crime.

– O ministro Gilmar Mendes, monocraticamente, emitiu pelo menos 47 ordens de soltura em favor de pessoas presas na Lava Jato paulista e carioca, quando a prisão havia sido mantida pelas instâncias inferiores.

– O ex-ministro do próprio STF Sydney Sanches foi categórico em sua avaliação: “ninguém tem como garantir que Toffoli, Lewandowski e Gilmar seguirão qualquer jurisprudência, quando se trata de libertar criminosos do universo político.”

– Numa recente sessão do Tribunal Superior Eleitoral, o ministro Gilmar Mendes se referiu à Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal como a Câmara de Gás do STF, sendo respondido pelo ministro Herman Benjamin, que afirmou ser a Segunda Turma o Jardim do Éden.

– Em 26 de outubro de 2017, os ministros Gilmar Mendes e [Roberto] Barroso trocaram críticas. Após provocação do primeiro, o segundo disse: “nós prendemos, tem gente que solta”. [Ainda Barroso]: “Portanto, não transfira para mim esta parceria que Vossa Excelência tem com a leniência em relação à criminalidade do colarinho branco.”

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No final da  defesa, Deltan Dallagnol afirma que “o exercício da crítica por parte de membros do Ministério Público, ainda que de forma contundente, contra posturas, posições e autoridades é parte inafastável do nosso ‘ser democrático’ e não pode ou deve ser transformado num risco”.

“A expressão ‘decoro’ não pode ser uma carta coringa para poderosos retaliarem procuradores e promotores de justiça”, conclui.